Nos últimos três anos, o funcionário da Mercedes-Benz em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, Cleber Ricardo Cardoso, ficou em casa o equivalente a mais de um ano.
Desde 2012, ele participou de dois programas de layoff (suspensão temporária de contrato de trabalho por até cinco meses), férias coletivas, licença remunerada e do Programa de Proteção ao Emprego (PPE), que reduziu jornada e salários em 20% a partir de setembro. Viu vários de seus companheiros deixarem a fábrica, a maioria em programas de demissão voluntária, mas por falta de alternativa.
Cardoso, até agora, tem conseguido se manter no emprego, onde está desde 2010.
Na sextafeira, ele foi informado de que está em um grupo de 1,5 mil trabalhadores que terá novo período de licença remunerada, por tempo indeterminado, a partir do dia 17. “Estou muito apreensivo, mas tenho esperança de, se Deus quiser, voltar ao trabalho quando essa fase ruim passar”, disse Cardoso, que tem 37 anos e trabalha como soldador na linha de produção de ônibus.
A fábrica, que também produz caminhões, motores e transmissões, vai suspender todas as operações durante a semana de carnaval. Os cerca de 7 mil trabalhadores da área produtiva ficarão em casa.
Quando anunciou, na semana passada, que 1,5 mil funcionários seguirão em licença remunerada após a folga, a Mercedes afirmou ter mais de 2 mil trabalhadores excedentes. Em janeiro, a produção de veículos da marca caiu 40% em relação a igual mês de 2015. No ano passado todo, a queda foi de 46% em caminhões e de 36% em ônibus, comparado aos dados de 2014.
“Diante desse cenário, a fábrica tem utilizado apenas metade da força de trabalho, o que a mantém em uma situação difícil mesmo com o uso do PPE”, informou a empresa. O programa vence em maio, no mesmo mês em que a Mercedes pretende reavaliar a licença remunerada.
Na sextafeira, Cardoso, ainda impactado pela informação de que novamente será afastado da fábrica, disse não saber o que fará durante a licença. Sua esposa é professora em uma escola particular e, nas dispensas anteriores, ele ficou em casa cuidando das filhas de 11 e 4 anos, além de realizar cursos de requalificação durante o layoff.
Ele pretende fazer algum bico, se for possível, mas teme se machucar pois continua vinculado à Mercedes, que avisou que poderá convocálo a qualquer momento. “A situação do mercado está muito complicada, mas espero que mude logo”.
Blindagem
O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Rafael Marques, disse que em maio vai negociar com a Mercedes uma prorrogação do PPE, caso o mercado ainda esteja em baixa. O programa permite duração de até dois anos. “Espero que a empresa não tente usar a licença como pretexto para demitir, pois não vamos aceitar”, disse Marques.
O sindicalista viu a base dos metalúrgicos da região perder 8 mil postos de trabalho no ano passado, o maior corte na categoria em de 15 anos. Ele defende o PPE como “instrumento para blindar 2016 e evitar mais demissões até que a economia comece a se recuperar”. Marques espera alguns sinais de recuperação a partir do segundo trimestre.
Lançado em julho, o PPE foi proposto por sindicatos e empresas, principalmente do ramo automotivo. Tem como referência programa criado na Alemanha para manter empregos em época de crise.
Para o governo, que banca metade do corte salarial, o PPE é mais interessante do que o layoff. Nessa opção, o governo paga o valor do seguro desemprego (cerca de R$ 1,4 mil) a cada trabalhador. Durante a suspensão do contrato, não são recolhidos encargos. No PPE, os impostos continuam sendo pagos sobre o salário reduzido. (O Estado de S. Paulo/Cleide Silva)