Mudança no governo argentino anima multinacionais brasileiras

Folha de S. Paulo

 

Após anos enfrentando dificuldades na Argentina, multinacionais brasileiras já preveem aumento de receita e algumas chegam a fazer planos de expansão no vizinho. A onda de otimismo reflete a mudança na Presidência, agora com perfil mais liberal.

 

O governo de Mauricio Macri tem pouco mais de 40 dias, mas eles foram suficientes para conquistar os empresários. A desvalorização cambial superior a 40%, a redução das travas ao comércio, a sinalização de liberação das remessas de lucros e a expectativa de retomada do crescimento e de empregos animam diferentes setores.

 

Uma das maiores multinacionais brasileiras, a Stefanini, do setor de tecnologia da informação, espera crescer pelo menos 35% na Argentina neste ano, já descontada a elevada inflação no país.

 

A retomada da competitividade internacional, proporcionada pela alta do dólar, é a principal explicação para o otimismo. Com mão de obra qualificada, o país era uma base importante para a prestação de serviços de TI, como “help desk”, a usuários do mundo todo, segundo Marcelo Ciasca, presidente da Stefanini na América Latina. “A desvalorização cambial volta a colocar o país no mercado mundial”, diz.

 

Ele também aponta o interesse de empresas estrangeiras se instalarem na Argentina, o que pode aumentar a demanda por serviços de TI. “Estamos preparados, investimos US$ 1 milhão na Argentina no ano passado. Mas também olhamos oportunidades de aquisições”.

 

Ambiente

 

Sócia em duas fábricas de ônibus na Argentina, a Marcopolo já sentiu mudanças no ambiente para negócios. “Macri montou uma boa equipe técnica. Ele está desburocratizando os processos muito rapidamente”, afirma Ruben Bisi, diretor de negócios internacionais. O fim das licenças automáticas para importação trouxe uma expectativa positiva para as exportações brasileiras. “Em 2015, exportamos cem unidades para a Argentina. Neste ano, esperamos vender o dobro ou o triplo”, afirma.

 

A diretora da fabricante de baterias Moura na Argentina, Elisa Correia, também elogiou a nomeação de técnicos para cargos importantes no governo, mas diz que ainda é cedo para identificar avanços concretos. A empresa abriu sua primeira fábrica na Argentina há quatro anos.

 

No setor agropecuário, beneficiado pelo fim das barreiras às exportações, a perspectiva também melhorou.

 

Nos últimos anos, controle de preço e limites aos embarques de carne bovina desestimularam a pecuária argentina, levando a JBS a interromper a produção em 4 das 5 fábricas que tem no país. Agora, planeja retomar o abate nas unidades paralisadas e ampliar o uso da capacidade da fábrica em atividade.

O aumento no abate ocorrerá aos poucos, pois falta matéria­prima. “A partir do segundo semestre, haverá maior oferta de gado”, diz Miguel Gularte, presidente da JBS Mercosul. Segundo o responsável pela operação na Argentina, Gustavo Khal, a exportação de carne do país deve subir mais de 50% em 2016.

 

A BRF também não desistiu da Argentina. Pelo contrário, aumentou sua aposta no vizinho, onde produz carne de frango e suína e alimentos processados. Em 2015, investiu cerca de US$ 190 milhões em aquisições e expansão.

 

“Nossa decisão de investimento é baseada na análise de demanda, custo e distribuição – e a Argentina continua sendo muito competitiva. Mas é claro que a perspectiva de melhora na economia e no emprego ajuda todos, especialmente empresas ligadas ao consumo, como a BRF”, diz Augusto Ribeiro, vice­presidente financeiro e relações com investidores.

 

Problemas

 

Consertar erros da política econômica anterior tem um custo, o que pode prejudicar as empresas no curto prazo.

 

A desvalorização cambial eleva o preço de insumos e a inflação, que já está perto de 30%. Outra pressão de custos virá do aumento na tarifa de energia, estimado em 350% após o fim de subsídios.

 

“A perspectiva para o longo prazo é positiva, mas não dá para subestimar os efeitos que essas medidas têm na operação. Precisamos ser cautelosos no curto prazo”, diz a diretora da Moura, que importa alguns insumos.

 

Segundo Ribeiro, da BRF, não há outro caminho a não ser o repasse para os preços. (Folha de S. Paulo/Tatiana Freitas)