Carro brasileiro mais caro na Argentina

O Estado de S. Paulo

 

Uma das principais interessadas na recuperação econômica da Argentina, a indústria automotiva brasileira precisa ser paciente. As medidas adotadas até agora pelo novo presidente do país, Mauricio Macri, devem criar um ambiente mais amigável aos investimentos no país, mas não o suficiente para estimular, no curto prazo, a demanda por carros feitos no Brasil, segundo avaliam analistas ouvidos pelo Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado.

 

A Argentina é, historicamente, o principal destino das exportações brasileiras de veículos. É por isso que a gestão de Macri tem sido acompanhada de perto pelas montadoras locais. A política econômica do novo presidente, contudo, tem priorizado a adoção de um ajuste fiscal, o que deve apertar a renda dos argentinos em um primeiro momento. Na semana passada, por exemplo, Macri anunciou o fim dos subsídios oficiais à energia, medida que deverá elevar a conta de luz no país em mais de 300% a partir de fevereiro.

 

Além disso, o fim do controle cambial adotado na era Kirchner, uma das primeiras ações do presidente, resultou em desvalorização do peso em relação ao real. Com isso, deixou mais cara a importação de carros brasileiros, mais um fator que deve segurar a demanda.

 

Como consequência, avalia o economista Rodrigo Baggi, da consultoria Tendências, a Argentina deve, no curto prazo, perder participação nas exportações brasileiras, abrindo espaço para outros parceiros sul­americanos. “O ajuste e a depreciação cambial de Macri vão nesse sentido.”

 

Os outros parceiros a que se refere Baggi são, principalmente, Colômbia e México. Com o governo colombiano, o Brasil assinou em outubro acordo que zera as tarifas de importação para veículos de passeio e comerciais leves por oito anos, começando em 2016. E o México, impulsionado pela recuperação econômica dos Estados Unidos, também deve aumentar seu apetite por carros brasileiros. Com isso, ele acredita que a Argentina deve diminuir sua participação nas vendas brasileiras em 2016 e 2017 e, a longo prazo, ter estabilidade na casa dos 60% do total (média de 2008­2010).

 

Cautela

 

Até mesmo executivos do setor, que poderiam estar entusiasmados com a postura mais liberal de Macri, adotam discurso de cautela. “Eu acho que os sinais que a nova administração da Argentina têm enviado são positivos. Acreditamos em uma evolução da economia argentina, mas entendemos que isso se dará de forma gradual, não esperamos milagres”, disse Rogelio Golfarb, vice­presidente de Assuntos Governamentais da Ford na América do Sul.

 

A cautela dos executivos se traduz na expectativa para venda de veículos na Argentina. A projeção da General Motors, por exemplo, para o mercado argentino em 2016 é de 640 mil unidades, próximo ao nível de 2015, quando as vendas somaram 643 mil unidades, segundo a Acara, associação de concessionárias do país. Sem expectativa de alta nas vendas, será mais difícil para o Brasil ampliar as exportações de caros para o vizinho, uma vez que a demanda estará deprimida.

 

Por outro lado, o diretor de pesquisas econômicas da GO Associados, Fábio Silveira, espera que o carro brasileiro continue competitivo na Argentina. “No câmbio oficial, o peso se desvalorizou em relação ao dólar 59% em 12 meses, enquanto o real se depreciou em 60%. Então, está mantida a competitividade de exportação. Além disso, nós estamos enraizados na Argentina, a demanda não vai se enfraquecer de uma hora para outra, é algo gradual”.

 

A longo prazo, porém, a postura de Macri deve trazer resultado mais animador, aposta Baggi. “Os sinais de maior liberalização comercial, com o fim de barreiras, um possível acordo de livre­comércio no setor automotivo e melhora da atividade econômica no médio e longo prazos ajudam a demanda e se contrapõem aos impactos negativos (ajuste fiscal e depreciação do peso).” É o que também espera o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Moan. “As medidas anunciadas são favoráveis ao mercado, o que deve aumentar a demanda e estimular a exportação”, disse, no início do mês. (O Estado de S. Paulo/André Ítalo Rocha)