Folha de S. Paulo
As medidas de estímulo ao crédito terão efeito limitado na atividade econômica, segundo especialistas. Para eles, só a resolução de problemas macroeconômicos, como o fiscal, poderá começar a tirar o país da recessão.
Segundo economistas, o pacote anunciado ontem pelo governo é inócuo porque a demanda por crédito é muito baixa no país – reflexo do cenário de baixa confiança, alto grau de incertezas, juros altos, desemprego em alta e renda em queda.
“Qualquer política pública fica com a eficácia comprometida quando a macroeconomia está bagunçada. É difícil demandar crédito quando não se sabe para onde vão o câmbio e a taxa de juros”, diz Zeina Latif, economistachefe da XP Investimentos.
Para ela, há problemas pontuais no crédito: algumas empresas enfrentam problemas de liquidez e a oferta de empréstimos está menor, pois os bancos ficaram mais conservadores na liberação de financiamentos. “Mas a arrumação da macroeconomia é precondição para dar eficácia a essas medidas”, diz.
“Do lado da oferta, o governo pode subsidiar taxas e liberar garantias, como aparentemente ele está fazendo com parte do FGTS. Mas, mesmo assim, quem quer aumentar sua dívida com a incerteza que existe?”, diz o economista José Francisco de Lima Gonçalves, do Banco Fator.
“A ideia de levar o cavalo para beber à beira do lago não funciona quando o cavalo não deseja beber água”, afirma Sergio Vale, economistachefe da MB Associados, numa analogia à declaração do ministro Nelson Barbosa (Fazenda), que disse em Davos, na Suíça, que levaria o “cavalo para beber água”.
Ele avalia que o pacote é uma reedição da “nova matriz econômica, com medidas de oferta de crédito feitas à exaustão no primeiro mandato da presidente Dilma e que não deram certo”.
Já Octávio de Barros, economistachefe do Bradesco, não vê sinais de retrocesso. “É meritório o esforço de se reverter a crise de confiança. Não vejo qualquer impacto negativo no plano fiscal”, diz.
Apesar de avaliar que o pacote pode aumentar a segurança na concessão do crédito, sobretudo do consignado, ele afirma que o alcance das medidas é relativamente limitado. “Só a retomada da confiança impulsionará a demanda por crédito”.
O diretor de pesquisa econômica da GO Associados, Fábio Silveira, também reconhece a intenção do governo em dar uma resposta rápida à crise. “Mas não podemos nos iludir. O efeito do pacote é restrito”, completa.
Ele compara o volume que será injetado pelo governo na economia com as novas medidas, de R$ 83 bilhões, ao estoque de crédito ao consumidor, de cerca de R$ 800 bilhões. “Para as exportadoras, por exemplo, foram anunciados R$ 4 bilhões em crédito, mas o país exporta mais de US$ 200 bilhões por ano”.
Outra agenda
O economista ressalta a necessidade de medidas estruturantes, como a reforma da Previdência ou redução da carga tributária, para o país retomar a competitividade.
Zeina Latif, da XP, também diz que gostaria de ver o governo mais empenhado em resolver problemas mais complexos, como a redução do “spread bancário” ou a queda da carga tributária.
Ela também teme que o foco da atual equipe econômica – o estímulo ao crescimento – enfraqueça a discussão envolvendo o ajuste fiscal.
Inflação
Para a maioria dos economistas consultados, a expansão do crédito não deve pressionar a inflação porque a demanda por bens e serviços é baixa.
“Precisamos recuperar o consumo, e isso não significa aumento de pressão de demanda sobre os preços. Temos muita capacidade ociosa no Brasil”, afirma.
O economista do Bradesco concorda que a crise ajuda a afastar o risco inflacionário. “A inflação e as expectativas serão ancoradas pela própria brutalidade da recessão”, diz.
O economista da MB, no entanto, avalia que as medidas de estímulo ao crédito e a postura mais expansionista adotada pelo Banco Central desde a semana passada apontam pressão inflacionária.
“Veremos revisões sistemáticas do IPCA no Boletim Focus ao longo do ano”. (Folha de S. Paulo/Tatiana Freitas e Joana Cunha)