Muito além da mobilidade

O Estado de S. Paulo/The Economist

 

A gigantes de internet estrangeiras costumam penar na China. Exceção feita à presença que têm em Hong Kong, Facebook, Twitter e Google são, em grande medida, irrelevantes no país. Da mesma forma, embora venha conquistando mercados mundo afora, o aplicativo de caronas pagas Uber não está tendo vida fácil na China. Ao contrário do que acontece com os outros titãs de tecnologia, porém, as agruras do desmancha­prazeres dos choferes de praça não têm a ver com normas injustas, elaboradas para favorecer empresas locais. O maior problema do Uber na China é ter encontrado um concorrente à sua altura.

Criado no ano passado, o Didi Kuaidi é fruto da fusão de aplicativos de transporte rivais, controlados por duas gigantes de internet chinesas, o Alibaba e a Tencent. Agora o Didi domina o mercado online de transporte pessoal na China: no ano passado, realizou 1,4 bilhão de corridas, número superior ao de corridas contratadas por meio do Uber em todo o mundo, desde que o aplicativo americano entrou em operação. O Didi controla, ao que tudo indica, dois terços do mercado chinês de serviços de motorista particular (sua maior fonte de receitas), e está presente em centenas de cidades. O Uber só tem presença significativa em meia dúzia delas, embora tenha anunciado esta semana que vai expandir a cobertura para 55. Ambas as companhias vêm gastando rios de dinheiro em incentivos financeiros para atrair motoristas.

 

Ao contrário do Uber, cuja atuação na China está centrada nos serviços de motorista particular, os usuários do Didi podem escolher entre um táxi, um automóvel particular, um carro compartilhado, uma van ou um ônibus para transportá­los. No mês que vem, quando terá lugar a migração em massa decorrente das celebrações do ano­novo chinês, os milhões de indivíduos que vão se deparar com voos e trens lotados poderão recorrer ao Didi para compartilhar viagens intermunicipais a preços similares ao das passagens de trem.

 

A companhia também formou parcerias com concorrentes do Uber em outros países (chegando, em alguns casos, a investir neles): o GrabTaxi, no Sudeste Asiático, o Ola, na Índia, e o Lyft, nos Estados Unidos. A presidente do Didi, Jean Liu, que já trabalhou na área de fusões e aquisições do Goldman Sachs, ajudou a companhia a levantar US$ 3 bilhões para enfrentar o Uber. Em pouco tempo, metade do mercado global estará operando na plataforma de tecnologia da aliança encabeçada pelo Didi, sustenta Liu, o que deve beneficiar tanto chineses em viagem ao exterior, como estrangeiros em visita à China.

 

Mas ajudar as pessoas a ir do ponto A ao ponto B é só o começo. As ambições do Didi vão muito além disso. A empresa pretende oferecer outros tipos de serviço, aproveitando ao máximo sua enorme base de clientes e a riqueza dos dados reunidos a seu respeito. Na terça-feira, os executivos da companhia anunciaram um acordo com o China Merchants Bank (CMB). Há um número crescente de motoristas do Didi que deseja comprar um carro zero, e embora muitos deles agora tenham uma fonte de renda estável, graças ao aplicativo, faltalhes o acesso ao mercado formal de crédito. O Didi e o CMB começarão oferecendo crédito automotivo — primeiro para os motoristas do aplicativo, mas no futuro talvez também para seus passageiros.

 

Os usuários do Didi já podem usar o aplicativo para marcar a realização de um test drive com veículos de várias montadoras, incluindo Mercedes e Audi. Desde que o serviço foi lançado, em outubro, cerca de 1,4 milhão de pessoas já pegaram um dos 92 modelos disponíveis para dar uma volta.

 

Uma das “atividades secundárias” mais peculiares a que o Didi pretende se dedicar é a de casamenteiro. Em breve, o Hitch, seu serviço de compartilhamento de caronas, permitirá que motoristas e passageiros escolham, com base em seus interesses mútuos, com quem querem dividir o trajeto a ser percorrido. A empresa já tem um acordo com o LinkedIn para que as pessoas possam fundir suas contas nas duas redes sociais. O objetivo é proporcionar àqueles que costumam levar de uma hora a duas para ir de casa para o trabalho, e do trabalho para casa, uma viagem mais proveitosa, durante a qual podem surgir negócios, amizades e, quem sabe, até relacionamentos amorosos. (O Estado de S. Paulo/The Economist/Traduzido por Alexandre Hubner)