O Estado de S. Paulo
A crise na venda de carro zeroquilômetro, que encerrou o ano passado com retração de 25% no volume comercializado, o pior desempenho em mais de 20 anos, abriu uma janela de oportunidade para o consumidor conseguir bons descontos na compra de carros fabricados em 2015, mas do modelo 2016.
Para impulsionar as vendas de janeiro e se livrar do encalhe, as concessionárias oferecem neste ano abatimentos maiores para os “carros de saldo” em relação ao que foi praticado no início de 2015. E de quebra é possível até parcelar o pagamento sem juros, com uma entrada de mais da metade do valor total com o desconto.
“Em janeiro do ano passado, o desconto máximo sobre o preço de tabela não passava de 6,0% e neste ano chega a 10%”, conta Wilson Goes, diretor da concessionária Palazzo, que revende veículos da marca Chevrolet, com três lojas em São Paulo.
Uma minivan Spin, por exemplo, cujo preço de tabela do modelo e ano de fabricação 2016 é de R$ 70,9 mil, é vendida com abatimento de R$ 7 mil ou 10%, só que da versão 2016, mas fabricada em 2015. Outro exemplo é um Palio Fire, 4 portas, da Fiat. O preço de tabela do modelo 2016 é R$ 32.541, mas o mesmo carro fabricado no ano passado em versão 2016 pode ser encontrado por R$ 29.290. O desconto é de R$ 3.251 ou 10%.
Nas contas de Marcos Leite, gerente de vendas da concessionária Amazon, da Volkswagen, o porcentual de descontos dos carros fabricados em 2015 no modelo deste ano chega a ser o dobro do oferecido no início de 2015 para esse tipo de veículo. “O consumidor que hoje está com dinheiro na mão pode fazer excelente negócio”.
Na prática, o que está jogando a favor dos descontos mais atraentes é o maior volume de carros no estoque. Nas três lojas da Palazzo, por exemplo, há 75 veículos ano e modelo 2015 e 80 unidades fabricadas no ano passado, mas modelo 2016. “Esse estoque é 20% maior do que o acumulado em janeiro de 2015”, conta Goes.
Nas concessionárias, o estoque de veículos novos no fim de dezembro – último dado disponível – estava em 202 mil unidades, praticamente o mesmo volume registrado no mês anterior, que tinha sido de 200 mil unidades, segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).
Com esse grande volume de encalhe, as montadoras deram férias coletivas e atrasaram a produção de veículos ano e modelo 2016. Tanto é que as concessionárias consultadas pelo Estado informaram que ainda não receberam as novas versões e, por ora, estão tentando impulsionar as vendas dos veículos de saldo. “A entrega dos veículos ano e modelo 2016 está atrasada”, diz Marcelo Commercio, gerente da concessionária Amazonas, que revende veículos da marca Fiat. Segundo ele, a fábrica voltou a operar no dia 11 e ainda não houve tempo hábil para a entrega dos carros neste ano.
Para Paulo Roberto Garbossa, consultor da ADK, especializada no setor automotivo, com o mercado recessivo, o poder de barganha hoje na compra do carro zero está do lado do consumidor. “Se o consumidor tem dinheiro, recomendo que gaste sola de sapato antes de fechar a compra”, afirma.
Projeções de mercado indicam que as vendas de carro zero este mês devem somar 150 mil unidades, 50 mil veículos menos do que em dezembro. Isso explica o esforço maior dos lojistas para desovar os estoques de carros de saldo.
Segundo Goes, com a estratégia de descontos maiores para carros de saldo, a Palazzo já conseguiu ampliar em 25% as vendas este mês ante dezembro, algo que não é usual, pois normalmente os volumes do primeiro mês do ano na sua revenda são menores do que os do mês anterior, segundo ele.
Já Vitor Meizikas Filho, consultor da Molicar, não acredita na vantagem dos descontos. Na sua avaliação, os modelos sem alterações da versão 2015 para a 2016 tiveram preços reajustados em meados do ano passado e agora, mesmo com o corte, o valor final de venda é maior.
Valor de revenda. Ao comprar um carro zero de “duas cabeças”, como são chamados pelos lojistas os veículos com ano de fabricação e ano/modelo diferentes, o consumidor deve levar em consideração que o desconto obtido na hora de fechar o negócio pode ser usado como fator para depreciar o valor do veículo quando ele for revendido. Isso praticamente anularia a vantagem obtida agora.
Mas essa não é a avaliação feita por consultores especializados e vendedores de carro zero. Segundo Garbossa, da ADK, o que conta na avaliação do carro na hora de revenda é o ano do modelo e não o ano de fabricação. De toda forma, é um fator que o consumidor deve ponderar se for comprar esse tipo de veículo hoje.
Bom negócio. Pela terceira vez seguida, a analista de eventos Silvana Rampim, de 56 anos, comprou um carro zero de “duas cabeças”, como são chamados pelos lojistas os veículos que têm ano de fabricação e ano/modelo diferentes. Esta semana, ela bateu o martelo e adquiriu um Fox Comfortline 1.6, ano de fabricação 2015 e modelo 2016, por R$ 47,3 mil.
Ela economizou R$ 4 mil em relação ao preço do mesmo carro ano de fabricação e modelo 2016 com desconto, que sairia por R$ 51,3 mil. O preço de tabela (cheio) desse veículo ano e modelo 2016 é de R$ 54.420. “Como obtive um bom abatimento, acabei fechando negócio. Para mim, foi perfeito”, diz Silvana.
Além do desconto obtido pelo fato de o ano de fabricação ser diferente do ano/modelo, a analista de eventos acredita que conseguiu um bom valor pelo seu carro antigo, que entrou como parte de pagamento. Pelo Fox 1.0 Trend, ano de fabricação 2012 e modelo 2013, a concessionária pagou R$ 27,5 mil. O saldo de R$ 19,8 mil ela quitou à vista, com economias que tinha porque achou mais interessante do que pagar juros de um financiamento bancário.
Silvana diz que o fato de o carro ter o ano de fabricação diferente do ano/modelo não é motivo de preocupação, mesmo sabendo que na hora de revendêlo esse pode ser um fator para desvalorizar o produto. “Todo carro tem deságio na hora da revenda. A partir do momento que você tira o carro da loja ele perde valor”, argumenta.
Também o seu último veículo, o Fox 1.0, tinha ano de fabricação diferente do ano/modelo. Nem por isso, segundo Silvana, foi tão desvalorizado na hora de entrar como parte do pagamento do carro novo. “Na época que comprei zero desembolsei R$ 32 mil. Hoje o meu carro valeria pouca coisa mais pela tabela Fipe.” Silvana conta que sempre comprou carro zero com ano de fabricação e ano/modelo diferentes e que essa é uma estratégia para conseguir um preço menor. “É o terceiro carro zero que compro nessa condição”.
Outra tática usada pela analista de eventos para conseguir uma negociação vantajosa na compra foi tentar fechar o negócio na segunda quinzena do mês. Num ambiente recessivo como o atual, com maior dificuldade de vendas, as concessionárias de veículos tendem a ser mais flexíveis nas negociações de preço para atingir as metas de vendas do mês, observa.
“Deixando mais para o fim do mês, eles tendem a fazer uma negociação melhor”, diz Silvana. Inicialmente, o preço pedido pelo Fox Trend foi de R$ 48 mil, mas depois a revenda baixou para R$ 47,3 mil. (OEstado de S. Paulo/Márcia de Chiara)