Após cortar 9 mil vagas no RS, setor de máquinas agrícolas prevê estabilidade

Zero Hora

 

Metalúrgico há 20 anos, Renato Marques de Melo se recorda bem das últimas três crises enfrentadas pela indústria de máquinas agrícolas no Rio Grande do Sul – onde estão instaladas 65% das fábricas do setor no Brasil. Em todas as situações, perdeu o emprego, passou por dificuldades e depois foi readmitido. As lembranças recentes, ocorridas num período de 10 anos, trazem esperança ao trabalhador – desempregado há oito meses. “Nas outras vezes, a situação melhorou e me chamaram de volta”, conta o metalúrgico de 48 anos.

 

Funcionário da fábrica de colheitadeiras da Massey Ferguson, em Santa Rosa, no noroeste do Estado, Melo recebeu a notícia da demissão em maio do ano passado. O argumento para o desligamento foi o mesmo ouvido em 2005 e 2008: queda das vendas.

 

A primeira demissão, com cinco anos de empresa, ocorreu por conta de uma das maiores secas da história, na safra 2004/2005. Readmitido em 2007, ficou empregado até ouvir novamente no ano seguinte que a fábrica teria de readequar-se ao momento econômico. Na época, o Brasil sofria os impactos de uma das piores crises financeiras mundiais. O retorno ao trabalho ocorreu no final de 2009.

 

Desde então, a indústria de máquinas e implementos agrícolas passou a bater sucessivos recordes de vendas, beneficiada por safras cheias, crédito farto e juro baixo. No começo de 2015, quando o mercado começou a dar sinais de que o crescimento das vendas estava com os dias contatos, o trabalhador começou a ver o filme se repetir.

 

A partir da saída da fábrica, onde ganhava salário líquido de R$ 1,3 mil por mês como operador de máquinas, Melo passou a fazer bicos na construção civil, sem carteira assinada e nem benefícios. Na empresa, tinha plano de saúde para a mulher e os três filhos. “Hoje, se eu precisar de um médico, tenho que amanhecer em um posto de saúde para conseguir ficha”, lamenta.

 

Demissões afetaram 27% dos funcionários das fábricas

 

O drama vivido pelo metalúrgico de Santa Rosa é o mesmo de outros 9 mil trabalhadores da indústria de máquinas agrícolas e fornecedores que perderam seus empregos em 2015, conforme a Federação dos Metalúrgicos do Rio Grande do Sul. O número representa 27% das vagas do setor em todo o Estado, em torno de 33 mil, antes dos cortes.

 

“Sabemos que as empresas estão se esforçando para não demitir, até porque as crises são cíclicas e esses trabalhadores deverão ser buscados novamente”, aponta Jairo Carneiro, presidente da federação.

 

As dispensas ocorreram no ano em que o setor de máquinas agrícolas e rodoviárias sofreu uma queda de 34,5% nas vendas internas, segundo números consolidados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). O resultado de 44,9 mil unidades vendidas em 2015 foi o mais baixo desde 2007.

 

E se os números de 2015 preocupam, os de 2016 trazem pouco alento. A entidade prevê uma recuperação de 2%. O ano começou sem o Programa de Sustentação do Investimento (PSI) e com mudanças nas regras do Finame Agrícola, que desde o começo do ano passou a ser vinculado à Taxa de Juro de Longo Prazo (TJLP), que varia a cada três meses.

 

“O agricultor tem um trauma muito forte com esses financiamentos variáveis, quando ele comprava uma máquina e pagava duas”, lembra Claudio Bier, presidente do Sindicato das Indústrias de Máquinas e Implementos Agrícolas (Simers), que estima demissões em 2015 na ordem de 6 mil trabalhadores.

 

Na opinião do presidente da Anfavea, Luiz Moan, a taxa variável do TJLP não deve prejudicar os negócios, pelo contrário, já que o juro de 7,5% é bem inferior a taxa básica de juro, hoje em 14,25%. O índice é o mesmo do Moderfrota, que não sofreu modificações.

 

“E ainda existe a possibilidade da TJLP ser reduzida. Dessa forma, temos previsibilidade do mercado”, considera Moan.

 

Vagas garantidas no momento

 

A John Deere, em Horizontina, foi a única indústria do setor no Rio Grande do Sul a aderir até agora ao plano do governo federal – criado para desestimular dispensas nas empresas em dificuldades financeiras temporárias.

 

Os mais de 900 funcionários da multinacional no Noroeste têm seus empregos garantidos até junho, data que expira o prazo determinado pelo

 

Programa de Proteção ao Emprego (PPE). Desde dezembro, a jornada dos trabalhadores foi reduzida em até 30%, com retração também do salário. No período do PPE, os funcionários não podem ser demitidos, além de preservar o saldo do FGTS e os demais benefícios trabalhistas. Os cortes na empresa se deram ainda em 2014, com 340 desligamentos.

 

“Temos o sentimento de que o pior já passou. Estamos na expectativa de uma melhora de cenário em 2016”, disse Irineu Schöninger, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânica e de Material Elétrico de Horizontina e região.

 

Vidas em lay-off: a rotina suspensa pela crise econômica

 

Em Santa Rosa, onde 200 funcionários da Massey Ferguson foram demitidos no ano passado, trabalhadores rejeitaram o banco de horas e o lay-off (suspensão temporária dos contratos de trabalho).

 

“Os trabalhadores vivem um período sombrio. E não sabemos o que esperar daqui para frente”, disse João Roque dos Santos, presidente do Sindicatos dos Trabalhadores das Indústrias Metalúrgicas de Santa Rosa e região.

 

Falta de confiança do produtor

 

A retração dos negócios no mercado de máquinas agrícolas é atribuída pelas fabricantes a dois fatores: crédito mais restrito e baixa confiança dos produtores.

 

“Estamos com colheitadeiras vendidas há mais de 40 dias esperando faturamento do banco para podermos entregar”, conta Jaques Hickmann, gerente-geral de vendas da Lavoro, concessionária da John Deere, com sede em Passo Fundo.

 

Com sete lojas no Norte do Estado, a revenda teve uma retração de 15% nas vendas em 2015, na comparação com o ano anterior.

 

“Muitos negócios não se concretizaram pela análise bem mais criteriosa das instituições financeiras”, completa Hickmann.

 

Para driblar as exigências na liberação de crédito, a New Holland conseguiu reduzir a retração com financiamento direto pelo banco da montadora. A multinacional fechou o ano com queda de 25% a 30% nas vendas de tratores e colheitadeiras.

 

“A indefinição em torno de recursos e de juro acaba retraindo o produtor”, aponta Eduardo Nicz, gerente de marketing da New Holland no Brasil.

 

Para o presidente da Anfavea, Luiz Moan, o freio nos investimentos é fruto especialmente da desistência de investimentos por parte dos produtores, em razão da instabilidade política e econômica vivida pelo país. “Boa parte das operações não foram concretizadas pela queda no nível de confiança”, completa Moan.

 

Barter e consórcio como opções

 

Ao prever um cenário para 2016 semelhante ao do ano passado, indústrias de máquinas e implementos agrícolas apostam em alternativas para segurar a queda nas vendas. Com crédito restrito e juro mais alto, as fabricantes irão reforçar as ações em torno do consórcio e da modalidade de barter (pagamento com grãos).

 

A New Holland foi uma das pioneiras no ano passado a oferecer a possibilidade de compra dos equipamentos com parte da produção, de soja ou café. A operação envolve uma triangulação entre o produtor, a empresa e uma trading, que fica responsável pela liquidação, logística e comercialização da commodity usada como meio de aquisição da máquina.

 

Em 2015, o barter e o consórcio responderam, juntos, por 20% dos negócios fechados pela fabricante.

 

As modalidades são alternativas para financiar produtores que encontram dificuldades em acessar crédito agrícola. A estimativa da fabricante é de que os recursos disponíveis hoje na linha Moderfrota deverão acabar em março.

 

“O produtor quer continuar investindo, por isso é preciso buscar saídas” aponta Eduardo Nicz, gerente de marketing da New Holland no Brasil.

 

Com fábricas no Paraná e em São Paulo, a CNH Industrial, dona das marcas New Holland e Case IH, demitiu 600 trabalhadores em 2015 e aderiu ao lay-off (suspensão temporários de contratos de trabalho) e ao Programa de Proteção do Emprego (com redução de até 30% da jornada).

 

“Em se tratando de safra, as perspectivas são boas. A partir de março, o mercado deve começar a reagir”, aposta Nicz.

 

A Massey Ferguson é um pouco menos otimista quanto à retomada do mercado em 2016, estimando uma queda de 5% em relação a 2015.

 

“Sempre achamos que a crise atual é a mais difícil, quando a comparamos com anos anteriores”, indica Rodrigo Junqueira, diretor comercial da Massey Ferguson no Brasil.

 

A previsão mais pessimista é atribuída a problemas climáticos que devem reduzir a produtividade da safra de verão no Sul, pelo excesso de chuva, e no Norte, devido à estiagem prolongada. A empresa também aposta no consórcio, que no ano passado teve uma maior participação nos negócios de colheitadeiras. O barter passará a ser oferecido pela Massey Ferguson neste ano para as culturas de soja e café.

 

As fabricantes buscarão fôlego também nas exportações, que deverão aumentar por conta da valorização do dólar e da reabertura de importantes mercados – como da Argentina, que reduziu as taxas de importações e estimulou os produtores a voltarem a investir na atividade. (Zero Hora/Joana Colussi)