Carlos Ghosn, um CEO que gosta de crise

Isto É Dinheiro

 

Poucos executivos colecionaram, nos últimos anos, tantos apelidos quanto o brasileiro Carlos Ghosn, CEO mundial da aliança Renault-Nissan. Na França, o mais conhecido deles – e autoexplicativo – é o Le Cost Killer (o matador de custos). No Japão, onde Ghosn se tornou celebridade por salvar a Nissan da falência, em 1999, é chamado pela imprensa como Mr. Fix It, algo como “o senhor consertador de empresas”, em uma tradução livre. Por aqui, nenhuma alcunha ainda emplacou para o chefão do quarto maior grupo automobilístico do mundo, mas poderia, provavelmente, ser “o especialista em crises”.

 

Isso porque logo no primeiro dia útil deste ano, na segunda-feira 4, Ghosn anunciou que, apesar de prever a retração do mercado automobilístico brasileiro nos próximos dois anos, vai investir R$ 750 milhões em sua fábrica Nissan, em Resende, interior do Rio de Janeiro, para produzir um novo carro, o SUV Kicks, e gerar 600 novos postos de trabalho. “O Brasil não é um mercado de curto prazo”, afirmou Ghosn. “Temos fé que o mercado voltará a crescer e, por isso, temos que ser pacientes e estar preparados para a retomada.”

 

À primeira vista, o anúncio de Ghosn não chama a atenção apenas pelo timing do mercado de veículos, que encolheu 26,6% no ano passado, segundo os cálculos da Anfavea, a associação dos fabricantes, mas também pela ambição do executivo. Até o final da década, Ghosn quer transformar a marca Nissan na terceira maior da América Latina. No Brasil, atualmente com 2,5% do mercado e 55,4 mil unidades vendidas em 2015, ocupa a sétima posição no ranking nacional. “O plano para o Brasil é simples. Precisamos estar preparados para o pior e trabalhar para ter o melhor”, disse.

 

A estratégia para fortalecer a Nissan entre os consumidores brasileiros – que ainda enxergam nos carros das compatriotas Toyota e Honda menor desvalorização no momento da revenda – inclui o patrocínio dos Jogos Olímpicos Rio 2016 e dos Jogos Paraolímpicos. Durante os eventos, uma frota de 4,5 mil veículos da marca irá atender às necessidades de mobilidade dos atletas e dos organizadores. Além disso, a empresa patrocinará neste ano, pela terceira vez consecutiva, a escola de samba do Salgueiro no carnaval carioca.

 

“A consolidação da marca depende de um trabalho constante e de longo prazo”, afirma Ghosn. “Mais do que aumentar a produção, aumentar a qualidade e otimizar custos, a ideia é fazer da Nissan um bom cidadão corporativo no Brasil.” O esforço para colher o melhor em uma economia que está minguando passa também pela exportação. O modelo Kicks, que deverá chegar às concessionárias no segundo semestre, será o primeiro carro global da Nissan produzido a partir do Brasil. As fábricas da marca nos Estados Unidos e no México operam, segundo Ghosn, acima de 100% de suas capacidades.

 

O Brasil, portanto, seria a única alternativa para ampliar a produção no continente e abastecer países vizinhos. “O segmento de SUV e crossovers está crescendo a um ritmo acima de 20% no Brasil e tem muito espaço em praticamente todos os mercados do continente”, garante. A julgar pelo currículo, a ofensiva de Ghosn no Brasil não será um tiro no escuro. O executivo de família libanesa, nascido em Guajará-Mirim, nos cafundós de Rondônia, conquistou seus troféus corporativos com maior desenvoltura em momentos de angústia nas empresas que passou. Nos anos de 1980, recebeu a missão de fortalecer a fabricante de pneus Michelin, em forte crise, nos mercados da América Latina.

 

Fechou fábricas, demitiu mais de um quarto da força de trabalho, mas conseguiu turbinar a companhia. Sua performance lhe rendeu, em 1996, a cadeira de vice-presidente da Renault, principal parceira da Michelin em todo o mundo e que descia a ladeira no mercado europeu. Três anos depois, arquitetou a compra de uma participação acionária na japonesa Nissan, à beira da falência, e se tornou o primeiro CEO estrangeiro a comandar a empresa. De imediato, demitiu 21 mil trabalhadores (14% da força de trabalho), fechou cinco fábricas que não estavam diretamente ligadas à produção de automóveis e reduziu drasticamente o número de fornecedores.

 

Em 12 meses, a Nissan já registrava lucro. “A gestão mão-de-ferro de Ghosn levantou uma empresa símbolo no Japão, fortaleceu a Renault e, assim, conquistou a admiração dentro e fora do grupo”, afirma Jonathan Smith, da consultoria AlixPartners. Atualmente, a Nissan, com receita de US$ 103,6 bilhões no ano fiscal de 2014, fatura quase duas vezes mais do que a Renault. No quebra-cabeça da composição acionária, no entanto, os papéis se invertem. A Nissan detém apenas uma fatia de 15% das ações sem direito a voto da montadora francesa, enquanto a Renault possui uma fatia de 43% com direito a voto na Nissan. (Isto É Dinheiro/Hugo Cilo)