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Renovação de frota de veículos por meio de incentivos governamentais é um assunto polêmico, que de tempos em tempos volta a ser discutido como proposta para reativar a economia e aliviar da crise a indústria automobilística. Não poderia ser diferente agora, no momento em que o mercado brasileiro constata uma redução de mais de 25% nas vendas em 2015 em relação a 2014. Foi o terceiro ano consecutivo de baixas.
A proposta da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) e de mais 18 entidades relacionadas ao setor, entregue em dezembro ao governo federal, pretende estimular a troca de carros com mais de 15 anos de fabricação e de caminhões acima de 30 anos por novos mediante benefício financeiro. Os veículos usados seriam retirados de circulação e destinados a sucateamento ou reciclagem.
Embora ainda exista pouca definição de como isso seria feito, as ideias que a imprensa tem veiculado não resistem a um pouco de bom senso.
Primeiro ponto: qual seria esse incentivo? Outra associação, a Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave), sugere que os carros e caminhões sejam avaliados e seus proprietários recebam uma carta de crédito a ser usada na compra de um veículo mais novo.
Até aqui, nada inédito. Qualquer proprietário de carro ou caminhão pode vender seu veículo a uma loja, em troca por outro ou não, recebendo por ele o valor que o mercado está disposto a pagar. Se esse preço alcança ou não o mínimo que ele aceita receber, é outro problema: trata-se da aplicação das leis naturais de mercado, como a da oferta e da procura, que não podem ser revogadas.
Para que a medida funcionasse de forma mais eficaz que o comércio já existente, seria preciso estabelecer algum tipo de subsídio, ou seja, que certo dinheiro saísse de outro lugar para chegar às mãos desse proprietário. Poderia vir dos caixas federais, se o governo já não vivesse um complicado cenário no qual não consegue cortar tantos gastos quanto precisa. A Anfavea e as demais entidades admitem que dessa fonte, provavelmente, não conseguirão mais beber depois de anos de incentivos fiscais mediante redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
Uma alternativa vem da Confederação Nacional do Transporte (CNT), também envolvida no plano. Inspirada no DPVAT (Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres), pago todo ano por proprietários de veículos, a entidade sugere um “seguro para sustentabilidade veicular”, exigido por ocasião do licenciamento, para formar um fundo que bancaria o incentivo.
Deixe-me ver se entendi bem. Eu, você e mais alguns milhões de brasileiros estamos quietinhos com um carro ou alguns carros usados, pois o bom juízo nos recomenda não assumir o compromisso de trocar por um novo, com todas as despesas que isso envolve, em um momento tão inseguro da economia e tão penoso para o bolso de cada um. Pela proposta, nós acrescentaríamos esse imposto – travestido de seguro, que por natureza é algo bem diferente – a nosso leque de custos para que uma minoria pudesse se beneficiar. Está certo isso?
Além disso, cabe analisar se mais um incentivo ao endividamento é o melhor que o governo pode fazer pelos brasileiros, pois no entendimento de muitos esse foi um dos grandes erros do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. Considerando o que vale um carro de mais de 15 anos, fica clara a enorme distância que o separa do preço de qualquer automóvel novo. Digamos que um modelo avaliado em R$ 10 mil, vendido ao programa, rendesse a entrada para compra de um zero-quilômetro de R$ 40 mil. A diferença de R$ 30 mil em financiamento de 36 meses, com juros de 1% ao mês, resultaria em prestação mensal de quase R$ 1 mil.
Quantos brasileiros que hoje têm um carro dessa idade poderiam assumir tal compromisso mensal, e ainda as despesas correlatas ao novo veículo — IPVA, seguro, manutenção -, sem colocar em risco pagamentos mais importantes à vida de sua família? Será mesmo que um cidadão com essa faixa de poder aquisitivo deveria comprar um carro novo? Cabe ao governo incentivar a tomada de uma decisão dessas? E quanto custaria convencer bancos a um financiamento de item tão caro para quem tem hoje um do quarto do valor? (Best Cars/Fabrício Samahá)