DCI
As vendas de automóveis, que já foram ruins em 2015, não devem melhorar muito neste ano. A expectativa em 2016 é de que a queda do emprego, o aperto da renda e a falta de confiança ainda devem pressionar os negócios no mercado doméstico.
“A maré continua muito ruim para o setor. Apesar de projetarmos uma melhora gradual do cenário macroeconômico, esse fator em si não será suficiente para estancar a crise generalizada”, afirma o analista automotivo da Tendências Consultoria, Rodrigo Baggi.
A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) divulgou nesta quinta-feira (7) projeção de queda de 7% das vendas de veículos em 2016, incluindo pesados. Contudo, a previsão da Tendências contempla um recuo ainda maior, de 17%, retornando ao patamar visto há dez anos.
“O que vemos é uma queda de propensão ao consumo, puxada pela falta de confiança do consumidor e pelas incertezas no País”, diz Baggi.
Frequentemente, a Anfavea é mais otimista do que outras entidades ligadas à cadeia e até das próprias associadas. Prova disso é que, há alguns meses, o diretor financeiro da General Motors, Carlos Zarlenga, já trabalhava com uma projeção de recuo de 20% para o mercado em 2016. No início de dezembro, executivos da Ford também estimaram quedas próximas a esse índice.
“Existe ainda um risco de piora caso o cenário político apresente mais surpresas negativas”, pondera Baggi. Nessa seara, o presidente da Anfavea, Luiz Moan, também se mostra favorável a uma solução rápida da crise institucional que se instalou no Brasil.
“As questões políticas acabaram contaminando a economia. A crise de 2015, da forma como se desenrolou, não tem precedentes”, declarou ontem o dirigente em balanço anual da entidade.
A Tendências estima que, neste ano, a massa de renda da população tenha recuo de 2,3% sobre um 2015 que já apresentou queda de 4,5%. Além disso, a taxa média de desemprego deve atingir 9,5%, ante 7% no ano passado. “No segundo semestre, teremos um cenário de desemprego ainda pior”, avalia Baggi.
Com isso, a propensão à compra de veículos deve ser fortemente afetada, movimento que não deve ser compensado nem pela oferta de crédito.
“A carteira dos bancos está disponível para a compra de automóveis e existe liquidez em várias linhas, mas hoje o problema está muito mais do lado da demanda do que da oferta de crédito”, observa.
Baggi ressalta, no entanto, que as taxas dos bancos aumentaram, o que acaba se tornando também um obstáculo para a contratação de crédito. “O poder de compra está muito corroído e a confiança do brasileiro está no chão”, avalia.
Ociosidade x emprego
Em entrevista exclusiva ao DCI, no mês passado, o presidente da Anfavea calculou que a ociosidade do setor girava em torno de 40%. Ontem, Moan acrescentou que diante da inatividade, as montadoras têm aproximadamente 40 mil funcionários afastados entre férias coletivas, suspensão temporária do contrato de trabalho (layoff) ou pela adesão ao Programa de Proteção ao Emprego (PPE).
E apesar de ressaltar de forma veemente que as associadas irão evitar ao máximo futuras demissões, o dirigente sinalizou que ainda existe espaço para mais cortes.
“Considerando que a produção voltou ao patamar de 2006 e o nível de emprego retornou a meados de 2010, claramente existe um excesso de mão de obra”, declarou.
O setor encerrou dezembro com o equivalente a 36 dias de estoques. No mês anterior, esse índice era de 42 dias e, um ano antes, de 50 dias. “O volume atual ainda não é considerado o ideal”, pontua Moan.
Para este ano, a Anfavea projeta um tímido crescimento da produção em 0,5%, diferentemente da Tendências, que prevê queda de 10%.
“Se a indústria mantiver o ritmo de vendas de dezembro, o recuo pode ser ainda maior, de aproximadamente 17%”, destaca Baggi.
O analista acrescenta que as expectativas de melhora gradual da economia ao longo de 2016 – ainda que insuficiente para evitar um novo tombo da indústria – e de crescimento das exportações podem estancar a situação dramática vivida pelo setor somente a partir do ano que vem.
“A busca por novos mercados é um ponto positivo para o setor, que por muitos anos foi altamente dependente da Argentina”, explica.
Em 2015, as exportações cresceram 75% para o México; 63% para o Peru; 83% para o Chile e 5,8% para a Argentina, totalizando um crescimento de 24,8% em volumes.
Contudo, em valores, houve um recuo de 8,7%, justificado pelo mix de vendas, especialmente devido à redução dos embarques de caminhões.
No ano passado, a Argentina respondeu por quase 65% das vendas externas da indústria automotiva. “Ao menos a trajetória para exportações se mostra positiva”, avalia Baggi. (DCI/Juliana Estigarríbia)