O Estado de S. Paulo
O presidente da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave), Alarico Assumpção, anunciou nesta quarta-feira a montagem de um mecanismo destinado a produzir a renovação da frota de veículos, incluídos aí caminhões e motos.
O proprietário de um carro de mais de 15 anos de rodagem será autorizado a trocar seu veículo por um bônus equivalente a seu valor de mercado, desde que o veículo velho seja encaminhado para sucateamento.
Esse bônus serviria para dar entrada num veículo mais novo.
A diferença seria financiada por um fundo, cuja natureza ainda precisa de explicação.
Assumpção revelou que 19 entidades do setor, incluídos os sindicatos, estão negociando as bases da novidade com o governo. É um projeto que já tem nome e sobrenome: Programa Sustentabilidade Veicular.
O presidente da Fenabrave espera abrir caminho para vender meio milhão de automóveis novos, sendo 30 mil caminhões, apenas em 2016, e, assim, desencalhar o mercado. De quebra, o País lucraria com a retirada de circulação de tantas Brasílias amarelas e de Kombis molambentas que a gente vê tossindo gás carbônico pelas ruas.
O esquema criaria certa procura por carros com menos tempo de circulação.
Quem, por exemplo, repassasse para o proprietário do carro destinado à sucata outro veículo com seus 10 anos de uso acabaria em condições de comprar um de 5 e o deste, um seminovo. Como essa cadeia chegaria ao meio milhão de zerinhos apenas em 2016 é um mistério.
Como pano de fundo para o anúncio desse plano, Assumpção apresentou números deprimentes: queda de 26,5% nas vendas internas de veículos novos em 2015, a maior em 28 anos, redução de 627 unidades na rede de concessionárias, demissão de 32 mil funcionários e estoques de 50 dias, pelo volume de vendas de dezembro.
Esse tombo das vendas, de resto já esperado, não foi provocado apenas pela recessão. É consequência da criação de um mercado artificial nos três anos anteriores. O governo Dilma reduziu os impostos e empurrou o consumidor às compras com créditos favorecidos, prestações a perder de vista e mercado aquecido por meio do represamento das tarifas dos combustíveis. Endividado e ameaçado de desemprego, esse consumidor enfrenta agora redução da renda pela inflação.
A proposta da renovação de frota parece esdrúxula. Um carro com o mínimo de 15 anos de uso já tem valor aviltado no mercado. Mais aviltado ficaria se deixasse de ser negociado livremente e tivesse de ser submetido a critérios subjetivos de precificação. De qualquer maneira, a parcela correspondente ao financiamento do carro mais novo tende a ser alta em relação ao preço total. O governo não quer injetar dinheiro nem reduzir impostos na parada, no que obra com sabedoria.
Os bancos não se sentem atraídos ao atendimento dessa faixa de consumo. Por isso, seria necessário induzilos a isso.
Forçar a compra de um item importante do patrimônio familiar, sem contrapartida no aumento real da renda, implica expansão do endividamento.
Na prática, esse projeto estreitaria ainda mais o mercado para outros setores da indústria e do comércio, como já está acontecendo, pelo que se viu a partir do fraco movimento das vendas neste fim de ano. Ou seja, se o consumidor for convencido a comprometer um pedaço importante do seu orçamento com nova compra de veículo e arcar, também, com seguro e IPVA mais altos, faltarão recursos para outras necessidades.
E, então, seria preciso prover pacotes em cadeia para recuperar as vendas de setores que enfrentam dificuldades não inferiores às que paralisam o de veículos, como acontece com a construção civil, a indústria de aparelhos eletrodomésticos, de móveis, confecções, viagens aéreas, setor de saúde, educação e tantos mais.
Como o segmento de veículos com alta rodagem é mais atendido pelas “bocas”, seria preciso montar esquema para evitar que os veículos destinados ao sucateamento não fossem empurrados de volta à circulação.
E, outra vez, seria o governo dando prioridade ao consumo imediato e não à criação de condições para a recuperação da economia.
Seria, enfim, o repeteco do que já deu errado e o atendimento do lobby das montadoras, sempre em conluio com os sindicatos. (O Estado de S. Paulo/Celso Ming)