Fábrica da Honda é adiada e cidade “murcha”

O Estado de S. Paulo

 

Nos últimos meses, a pequena Itirapina, a 200 km da capital paulista, fervilhou com as obras da fábrica da Honda, um complexo com capacidade para produzir 120 mil carros por ano.

 

Com apenas 17 mil habitantes, boa parte do pessoal que foi trabalhar na construção das instalações da empresa veio de outras localidades, gerando demanda por aluguel de casas – cujos valores mais que dobraram – e por serviços, especialmente de alimentação.

 

A expectativa dos moradores era de que o movimento continuasse aquecido, embora com demandas diferentes, quando a fábrica começasse a produzir, no início de 2016. Mas, no fim de outubro, a crise econômica levou a empresa a adiar a inauguração, provavelmente para 2017.

 

“Itirapina murchou”, diz o mais antigo comerciante da cidade, o barbeiro Argemiro Silvestre, de 82 anos. Nos últimos meses, ele precisou manter a barbearia aberta uma hora a mais por dia para dar conta da clientela.

 

A chegada da montadora japonesa – fruto do maior investimento privado já feito na cidade, de R$ 1 bilhão – seria um marco para o município. De cada três habitantes, um trabalha ou tem parente que é funcionário dos dois presídios locais. Junto com a Prefeitura, as unidades prisionais geram o maior número de postos de trabalho na cidade.

 

Meta

 

Conseguir uma vaga numa multinacional que produz automóveis passou a ser a meta de muitos moradores. Filho e sobrinho de agentes penitenciários, Bruno Henrique de Souza Botão, de 20 anos, diz que a maioria dos jovens da cidade sonha com um emprego na Honda, principalmente em razão da possibilidade de crescimento profissional. O presídio inicialmente pode até pagar mais, mas não há ascensão de cargos.

 

Botão trabalha como técnico em redes de computadores e pensa em cursar uma universidade voltada para a área automotiva. Ele fez um curso no Senai em São Carlos, cidade vizinha, desenvolvido em parceria entre a Honda e o instituto profissional, e aguarda ser chamado para uma entrevista.

 

“Claro que ficamos apreensivos com o adiamento da fábrica, mas entendemos que o momento é complicado, pois a crise é no Brasil inteiro”, diz Botão.

 

Funcionário de um dos presídios há 17 anos, Everaldo Mariano Campidelli, de 37 anos, também vai se candidatar a uma vaga na Honda. “O salário pode até não ser melhor, mas há chances de crescimento, valorização profissional e respeito, coisas que o Estado não oferece.” A expectativa é que a Honda pague salário inicial de R$ 1,7 mil.

 

Futuro garantido

 

“Quem conseguir entrar na Honda estará com o futuro garantido pois, se for dedicado, terá chances de crescer, porque a empresa tem um plano de carreiras”, afirma Luiz Roberto Castro Lima, de 32 anos.

 

Lima já trabalhou como chefe de cozinha, caseiro e teve um negócio próprio na cidade, na área de alimentação. Agora, faz serviços de acabamento em obras e vai aguardar, mesmo que por um ano, uma vaga na montadora. “Não vou desanimar.” Ele mora com a mulher e uma filha de 13 anos na casa do sogro, que há 33 anos é agente de segurança em um dos presídios.

 

Por questões de segurança, a Secretaria de Administração Prisional não revela o número de funcionários nos presídios, que abrigam 657 detentos em regimes fechado e semiaberto. O órgão lembra, contudo, que as unidades geram também trabalhos indiretos em pousadas, restaurantes, lanchonetes, transporte e outros serviços necessários para as visitas aos presos e para os agentes penitenciários.

 

O presidente da Associação Comercial de Itirapina, Mário Luiz Mroczinski, calcula que 2,4 mil pessoas trabalham nos presídios e nos seus prestadores de serviços, além de 800 na Prefeitura. A Honda prevê a abertura de 2 mil vagas quando estiver operando com capacidade produtiva total.

 

O prefeito de Itirapina, José Maria Candido (PMDB) foi procurado durante três semanas por telefone, e­mail e pessoalmente, mas não quis atender a reportagem.

 

Funcionários. Desempregada há um ano, Flaviane Estela Bressani, de 30 anos, aguarda pela oportunidade de “entrar na linha de produção e crescer na empresa”. Embora apreensiva, ela afirma ter visto como correta a atitude da empresa de esperar a situação do País melhorar para, então, iniciar as operações da fábrica.

 

“Seria pior se ela contratasse e depois demitisse”, afirma Flaviane, que mora com a mãe. Enquanto aguarda o anúncio da data para inauguração e da reabertura de contratações, ela pretende estudar para prestar concursos públicos.

 

Antes de adiar a abertura da fábrica, que está completamente pronta e iria produzir inicialmente o modelo Fit, a Honda já tinha contratado 120 funcionários, que foram mantidos. Eles estão trabalhando na área de manutenção e testes de equipamentos ou fazendo treinamento da unidade de Sumaré.

 

Segundo a montadora, a nova data para início de operação “será definida de acordo com a evolução do mercado”. (O Estado de S. Paulo/Cleide Silva)