Jornal do Carro
A relação de alguns leitores do Jornal do Carro com seus Fiesta e EcoSport tem passado por maus bocados. A coluna Defenda-se, publicada às quartas-feiras, vem recebendo queixas recorrentes de proprietários desses modelos Ford, sempre por problemas na transmissão automatizada Powershift (que também está na linha Focus). Foram 30 casos desde o início de 2014 – em média, uma nova reclamação a cada 23 dias.
Boa parte das queixas é sobre trepidações e vibrações consideradas anormais pelos leitores. Em alguns exemplares, a caixa falha entre as passagens de marcha ou demora a responder. Há, ainda, relatos de perda de força, especialmente em aclives, e até de pane, com o travamento completo e a impossibilidade de engatar as marchas.
Quando recorrem a uma concessionária, os leitores nem sempre conseguem obter uma solução satisfatória. O gerente comercial Márcio Luís Leite ficou frustrado quando seu Fiesta voltou da revisão com a mesma trepidação incômoda. “Fizeram apenas uma reprogramação do câmbio. O carro ficou igual.”
Assim como Leite, outros leitores contam que as autorizadas recorrem a medidas paliativas, como ajustes eletrônicos, para evitar os custos da troca do conjunto. Outra resposta típica é que a vibração é característica do sistema automatizado.
“Já fizeram testes e dizem que não há nada de errado com meu Fiesta”, diz a advogada Regina França. “Mas o câmbio treme, como se eu estivesse rodando sobre um obstáculo. Dá insegurança, parece que o carro vai parar.”
A advogada Mariana Tornero, do Idec, alerta que nesses casos a Ford poderá ser responsabilizada na Justiça. “Se o consumidor levou o problema à concessionária e não obteve uma solução, terá de ser indenizado pela montadora por quaisquer danos que vier a sofrer em decorrência do defeito do veículo.”
Troca do câmbio
Alguns leitores conseguem a troca do câmbio na base da insistência, ou quando o defeito fica mais sério. A empresária Eliane Buium já tinha levado seu EcoSport três vezes à oficina, mas foi preciso que o carro chegasse em um guincho para que a autorizada, enfim, fizesse a troca da transmissão. “Eu estava em uma rodovia e as marchas não entravam mais. Fiquei desesperada”, ela lembra.
Mesmo quando se opta pela substituição do conjunto, a solução definitiva esbarra na morosidade da Ford em fornecer as peças. A professora Cleusa Carvalho teve de aguardar dez meses pelo conserto e o médico Jairo Wagner esperou nove.
Já a gerente de loja Ana Maria Contini, que fez a queixa quando o carro tinha 3 mil km de uso, só foi atendida aos 14 mil km. “Como o veículo perdia força em ladeiras, tive de passar a evitar ruas íngremes, com medo de ficar na mão.”
Alguns entrevistados, como o engenheiro Antonio Vellasco Filho, não suportaram a espera. “O atendente da autorizada Superfor disse que a oficina tinha outros 90 carros na mesma situação e a Ford não estava mais nem recebendo pedidos de peças. Passei meu Fiesta adiante.”
Para os mais perseverantes, a troca do câmbio costuma encerrar a história com um final feliz. Mas há exceções, como o despachante aduaneiro Wagner Torres. “Mesmo após o reparo, meu EcoSport não ficou bom. Vendi o carro e o comprador veio reclamar comigo depois.”
Ford só apresenta solução para carros feitos até agosto de 2013
A Ford recusou o pedido de entrevista para esta reportagem e preferiu se manifestar por meio de uma nota.
“Alguns veículos da marca com transmissão Powershift têm apresentado trepidação excessiva da embreagem da transmissão durante baixa aceleração. Essa trepidação pode ser decorrente da contaminação da embreagem pelo fluido da transmissão, causado por vazamento dos retentores do eixo de entrada. Não há risco à segurança”, afirma o texto.
“Para atender essa situação, a Ford estende a garantia sobre os retentores do eixo de entrada, embreagem e calibração do software para cinco anos ante os três convencionais, contados a partir do mês da aquisição do veículo, ou 160 mil km, o que ocorrer primeiro. Essa extensão de garantia é automaticamente transferida aos proprietários subsequentes do veículo”, prossegue a montadora.
A nota oficial diz, porém, que apenas parte dos exemplares terá direito ao benefício: “A extensão da garantia é válida para Fiesta 2013 e 2014, fabricados de 19 de outubro de 2012 a 30 de agosto de 2013, EcoSport 2013 e 2014, produzidos de 17 de maio de 2012 a 31 de agosto de 2013 e Focus 2014, feitos entre 29 de janeiro de 2013 e 30 de agosto de 2013, todos com o câmbio Powershift”.
Vários leitores que reclamaram do câmbio Powershift ao JC compraram seus veículos em 2014 e 2015 – o que significa que, em tese, não foram contemplados por essa solução.
Mercado
São equipados com o Powershift 36,3% dos Fiesta, 37,2% dos EcoSport e 83,4% dos Focus
Fluido da transmissão pode ser o vilão
Para o professor Franco Dedini, da faculdade de engenharia mecânica da Unicamp, o principal suspeito de provocar os problemas em série no câmbio Powershift da Ford é o próprio fluido do sistema de transmissão.
“Não pode haver nele a presença de ar, umidade ou impurezas. Esses fatores provocam a vibração do fluido, que se propaga para todo o sistema, podendo inclusive levar ao seu travamento.”
Ele explica que esse tipo de fluido tende a se degradar em temperaturas mais elevadas, o que aumenta o risco de contaminação e problemas.
“O Chevrolet Opala e o Ford Maverick também tinham falhas no câmbio causadas pela temperatura. Isso pode estar ocorrendo também no Powershift. Talvez não seja um sistema bem adaptado a países de clima mais quente, como o Brasil.”
Ministério Público Mineiro investiga o problema
Em Minas Gerais, o grande número de reclamações de donos de Fiesta com câmbio Powershift ao Procon chamou a atenção do Ministério Público, ao qual o órgão se vincula naquele Estado. Como resultado, o promotor de justiça de defesa do consumidor do MPMG, Amauri Artimos da Matta, está instaurando uma investigação contra a Ford.
Após ouvir consumidores afetados, Da Matta concederá à montadora um prazo de dez dias para apresentar informações e convocará uma audiência. O promotor pretende sugerir que a Ford assine um termo de ajustamento de conduta (TAC), pelo qual se comprometa a convocar todos os consumidores para os reparos necessários, sem ônus.
“Pelo princípio da boa-fé objetiva, o fornecedor tem o dever de informar e proteger o consumidor, evitando que ele sofra danos”, ele justifica. “Como essa responsabilidade não pode ser limitada, a ideia é uma proposta que alcance todos aqueles que estão ligados pelo problema, ou seja, um acordo de âmbito nacional.”
O TAC é uma solução consensual, que não envolve o Poder Judiciário. A Ford poderá assiná-lo ou não. Se a empresa não aceitar esse termo, o MP terá como caminhos possíveis a via administrativa ou uma ação judicial.
“Se a Ford estendeu a garantia de alguns veículos, conforme afirma a nota, ela já está reconhecendo a existência do defeito”, conclui o promotor.
Com a palavra, os leitores do Jornal do Carro
– “Já tive um Fiesta com o mesmo problema, não aguentei e vendi. Agora é a mesma coisa com o EcoSport. Não sei por que não trocam logo o câmbio, o carro volta sempre igual da autorizada.”
Antônio Cunha, representante comercial (EcoSport comprado em junho/2014)
– “Eu estava subindo uma ladeira, o carro perdeu tração e começou a descer. Mas a Ford faz de tudo para não trocar o câmbio, única maneira de resolver o problema. Cansei e vendi o carro.”
Maria Fernanda Chueiri, chef de cozinha (EcoSport comprado em 2014)
– “O câmbio patina, demora a responder. Você entra em um aclive, a velocidade cai e ele custa a retomar, o que pode ser perigoso. Trocaram a caixa, mas o problema reapareceu.”
Ivo Golabek, biomédico (EcoSport comprado em dezembro/2013)
– “O carro falhava e dava trancos nas trocas de marcha. Fizeram um mapeamento, mas não adiantou. Quando a concessionária finalmente concordou em trocar o câmbio, tive de aguardar a chegada das peças, pelas quais havia pelo menos outros 40 carros à espera na autorizada.”
Luiz Falleiros, advogado (Fiesta comprado em maio/2014)
– “Chegou-se a um ponto em que a ré e as marchas pares não entravam mais. Tive de empurrar o EcoSport sozinho para colocá-lo na garagem.”
Anderson Zucchiolini, analista técnico em telecomunicações (EcoSport comprado em março/2014)
– “Disseram que tenho de colocar a alavanca em “N” a cada parada para evitar problemas. Acatei, contrariada. Meu medo é que, na próxima pane, me acusem de mau uso e não arquem com o reparo.”
Maria da Penha Serrano, empresária (EcoSport comprado em agosto/2014)
– “Eu pretendia trocar meu Fiesta por um Focus, mas desisti. Não vou arriscar R$ 90 mil em um carro com um câmbio desses.”
João Pio Westin Junior, empresário (Fiesta comprado em dezembro/2013)
– “Depois que levei o caso à imprensa, trocaram o câmbio. Ele não trepida como antes, mas ainda falha. Disseram que tenho de rodar mais 2 mil km para o carro ficar bom.”
Fernanda Franco R. Santos, analista de marketing (Fiesta comprado em maio/2014)
– “Tenho dois Fiesta com o mesmo defeito. Um engasga já nas saídas, o outro entre a primeira e a segunda marchas. Na autorizada, eles avaliam, constatam o problema e liberam o carro, porque não há peças. Imagine se o carro falha no Ladeirão do Morumbi com minha esposa ao volante.”
Celso Corrêa, médico (Fiesta comprados em setembro/2013 e agosto/2014). (Jornal do Carro)