Volks já havia omitido problemas com emissões há mais de dez anos

The Wall Street Journal

 

O escândalo das emissões que abate a Volkswagen AG explodiu publicamente há alguns meses e, desde então, vem dominando as relações da montadora com reguladores, clientes e investidores. Mas os problemas da empresa com o cumprimento de normas regulatórias existem há anos.

 

Em 2004, os funcionários responsáveis pelo cumprimento de normas ambientais da Volkswagen na cidade americana de Auburn Hills alertaram seus chefes na Alemanha que eles precisavam avisar os reguladores sobre um defeito em uma peça do sistema de emissões. A resposta dos alemães: não.

 

Dezenas de carros vendidos nos Estados Unidos pela Audi, unidade de luxo da Volkswagen, estavam voltando às concessionárias com um sensor quebrado que poderia afetar as emissões nos motores dos veículos movidos a gasolina. O número de defeitos provocou uma exigência legal para que a peça fosse incluída em relatórios obrigatórios aos reguladores, dizem funcionários da montadora na EUA.

 

Mas depois que um funcionário incluiu a peça defeituosa, chamada sensor de temperatura dos gases de escape (EGT, na sigla em inglês), no rascunho de um relatório para os reguladores da Califórnia, um executivo da Alemanha pediu uma revisão. “Exclua o EGT”, escreveu Bernhard Grossmann, da Audi, para Norbert Krause, supervisor dos funcionários nos EUA, em um e­mail a que o The Wall Street Journal teve acesso. Krause respondeu dois dias depois: “O EGT está fora”.

 

Krause diz não lembrar da troca de mensagens. Grossmann disse: “Tudo isso aconteceu 11 anos atrás e é muito tempo. Não tenho nada a dizer sobre isso”.

 

A Volkswagen não quis comentar a respeito. Em um e­mail que um executivo da Volkswagen enviou ao seu escritório nos EUA no final de 2004, ele afirmava que a peça não era importante o bastante para o sistema de emissões a ponto de ser citada no relatório para a agência ambiental da Califórnia.

 

O episódio, que não foi divulgado antes e que é detalhado em documentos internos aos quais o WSJ teve acesso, mostra a Volkswagen escondendo informações dos reguladores americanos mais de dez anos antes de ela admitir que tinha instalado um dispositivo para encobrir as emissões de veículos fabricados nos últimos anos. Essa admissão provocou uma crise sem precedentes para a montadora alemã: Seu diretor­presidente foi forçado a deixar o cargo, vendas recentes caíram ­ em até 25% nos EUA em novembro ­, e ela teve de reservar US$ 7,3 bilhões para financiar o custo do conserto dos motores alterados.

 

A Volks admitiu que instalou um software ilegal em cerca de 500 mil veículos a diesel vendidos nos EUA desde 2008, que permitia que eles emitissem mais poluentes nas ruas do que nos testes do governo. A empresa afirmou posteriormente que quase 11 milhões de veículos globalmente tinham o software, desencadeando investigações amplas na Europa e Ásia.

 

O defeito no EGT é anterior aos problemas das emissões nos motores a diesel e representa uma outra potencial falha na divulgação de informações. Mas não há evidências de que ele afetou os testes de emissões do governo.

 

Uma coisa está clara: Em 2004, a Volks falhou em informar aos reguladores ambientais em Washignton que a peça sequer existia. A montadora omitiu isso de documentos federais nos quais solicitava a aprovação para a venda de carros em modelos de 2001 a 2004, apesar da existência de leis exigindo que peças que afetam as emissões fossem identificadas, mostram documentos do governo.

 

O falha da Volkswagen em informar as autoridades sobre os componentes de emissões está no centro da crise atual enfrentada pela empresa. Depois que os reguladores revelaram o software fraudulento, chamado de dispositivo manipulador, em setembro, a Volkswagen retirou os pedidos de autorização para vender veículos a diesel do modelo 2016, após ter admitido que omitiu outro dispositivo para controle de emissões.

 

O EGT que a Volks ocultou em 2004 não é um dispositivo que manipula os testes de emissões. A peça protege o turbocompressor do motor ao ordenar ao computador do carro que resfrie o escapamento caso ele aqueça demais, processo que altera a mistura de combustível e ar definida para minimizar as emissões.

 

Em novembro, ao ser questionada sobre qual seria sua reação caso descobrisse que a Volkswagen havia retirado do relatório o sensor defeituoso, Mary Nichols, chefe do Conselho de Recursos do Ar da Califórnia, disse que “isso seria um enorme problema”. O conselho regula a montadora e está investigando a fraude recente de emissões.

 

A remoção da falha no EGT do relatório de 2004 ocorreu quando Krause, o supervisor da Volks nos EUA, negociava um acordo com a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA, na sigla em inglês) sobre uma outra falha de divulgação, que foi concluído em junho de 2005, em que a montadora se comprometeu a melhorar tais divulgações sem admitir as supostas violações.

 

Se as autoridades federais dos EUA decidirem investigar a divulgação de dados sobre o EGT pela Volkswagen e concluírem que ela falhou em fornecer informações, a montadora poderia estar sujeita a multas de até US$ 37.500 para cada carro vendido com o componente. A Volks vendeu mais de 3.900 desses motores antes de sua produção ser suspensa, em 2004, conforme mostram documentos internos, o que faria com que a penalidade máxima superasse US$ 140 milhões.

 

Krause, hoje aposentado, diz não se lembrar de esforços para remover o EGT do relatório aos reguladores em 2004, quando ele liderava a unidade de engenharia e de meio ambiente da Volkswagen nos EUA. “Foi há 11 anos. Eu não consigo lembrar do caso”, disse. Segundo ele, a Volkswagen discutia com frequência questões regulatórias internamente. “Às vezes era uma grande discussão. Às vezes estava muito claro”o que fazer, disse. “Nós na VW America éramos responsáveis pelos relatórios” aos reguladores.

 

A EPA informou que perguntas sobre a remoção do EGT devem ser feitas aos reguladores da Califórnia, que não quiseram comentar além das observações de Nichols. A EPA não quis comentar sobre o fato de a peça não aparecer em pedidos de certificação da agência, citando apenas requisitos regulamentares gerais.

 

Funcionários da Volkswagen nos EUA e Alemanha discordavam sobre a omissão do EGT do relatório de defeito da California há mais de dez anos, mostram e­mails internos. O sensor EGT não é “relevante às emissões”, escreveu um executivo alemão da Volks, em um e­mail de 4 de novembro de 2004 a empregados em Michigan. Esse executivo não pôde ser contatado para comentar. “Cancele este item” do rascunho do relatório, acrescentou.

No dia seguinte, um funcionário nos EUA discordou. “Regulamentos da California exigem” a divulgação, foi sua resposta. Além disso, escreveu o funcionário, a Volks havia incluído a peça num relatório de emissões anterior apresentado aos reguladores da Califórnia.

 

O executivo alemão respondeu duas horas mais tarde. “Discuti a questão do sensor de temperatura com o Norbert”, escreveu ele, referindo­se a Krause. “Nós concordamos que ele não será mais incluído no relatório para a Califórnia”.

 

A troca continuou na próxima semana. Finalmente, Grossmann, o executivo da Audi na Alemanha, disse a Krause que “apagasse” o EGT do relatório aos reguladores da Califórnia. “Der EGT ist raus” ­ “o EGT está fora”, respondeu Krause dois dias depois.

 

O defeito desapareceu do relatório subsequente. A Volks também não informou a EPA. (The Wall Street Journal/Justin Scheck, Mike Spector, Mark Maremont e William Boston)