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A indústria automotiva terá grandes desafios em 2016. Além da readequação ao novo tamanho do mercado doméstico, as montadoras precisarão achar um equilíbrio ao lidar com a queda expressiva no varejo e a barganha cada vez maior no atacado.
Historicamente, em períodos de crise, as montadoras procuram concentrar esforços nas chamadas vendas diretas (pessoas jurídicas) para manter os níveis de produção. No entanto, com a recessão que se espalhou pela economia como um todo, agora até os frotistas têm adiado a renovação dos seus estoques. Além da paralisia do mercado, os níveis de descontos vêm aumentando consideravelmente, segundo fontes da cadeia. O abatimento gira em torno de 15% até 35%, dependendo da compra.
“As vendas diretas já não estão mais fazendo tanto efeito. Se hoje as concessionárias conseguem sobreviver é porque grande parte do faturamento tem vindo dos seminovos”, afirma o diretor comercial da empresa especializada em desmobilização de frotas Control Motors, Roberto Bottura.
Na semana passada, o vice-presidente da Ford para América do Sul, Rogélio Golfarb, disse em evento com jornalistas que “os níveis de desconto no mercado estão muito altos” e o grande desafio das montadoras, hoje, é de rentabilidade.
Em oportunidade anterior, o executivo havia afirmado que a redução drástica dos preços nas vendas diretas puxa para baixo as margens na revenda de seminovos, acirrando a competição com veículo zero quilômetro.
“Antes, as vendas diretas estavam ajudando a neutralizar a situação, mas agora a deterioração das margens é muito maior”, contou ele.
A Ford, entretanto, é uma das marcas que apostaram fortemente na venda direta. O novo Ka “nasceu” no início da crise do setor, meados de 2013, e no acumulado de 2015 já figura na vice-liderança de emplacamentos do gênero, perdendo apenas para o Fiat Uno.
E mesmo a Fiat, que quase sempre lidera as vendas diretas, está sofrendo com a queda das compras de frotistas. Neste ano, segundo estimativas do mercado, a rede de concessionárias da marca em São Paulo deve ser reduzida pela metade.
Há cerca de um ano, grandes locadoras como Localiza, Hertz e Unidas tiveram a oportunidade de renovar os estoques com grandes descontos. Mas com a dificuldade de crédito e inflação em alta, estas empresas estão adiando as compras porque o preço de revenda do usado também caiu.
“Chegou um ponto em que nem o varejo nem a venda direta está alavancando o mercado das montadoras”, pondera o diretor da Control Motors.
De acordo com o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Moan, boa parte do aumento dos preços de veículos neste ano se deve à recomposição do Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI) em janeiro.
“O custo fixo aumentou muito, mas não conseguimos repassar na totalidade”, disse o dirigente na última sexta-feira (4), durante balanço da entidade.
Conforme o último dado atualizado da Anfavea, enquanto o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulou alta de 9,93% nos 12 meses findos em outubro, a inflação dos veículos aumentou 5,66% em igual período.
“O aumento dos preços de veículos só contribuiu em 0,7% para a inflação no período”, pontua o diretor executivo da Anfavea, Aurélio Santana.
Bottura ressalta, porém, que os grandes frotistas terão, em certa altura, que renovar a frota pois o custo de manutenção acaba sendo muito alto com o passar do tempo. “Com a perspectiva de aumento das vendas diretas no médio prazo, o nível de descontos vai recuar e as montadoras terão melhora nas margens”, avalia.
Recessão
Enquanto as montadoras trabalham para administrar o cenário de recessão do setor, a produção continua em queda acentuada. Dados da Anfavea mostram que, entre janeiro e novembro, a indústria produziu 22,3% menos do que no mesmo período de 2014.
Os licenciamentos também apresentaram forte retração. Na mesma base de comparação, as vendas recuaram 25,2%, para 2,34 milhões de unidades. O retrocesso levou o mercado doméstico aos patamares de 2007.
Diante do quadro, a indústria continua demitindo. Somente em novembro, o setor dispensou 1,5 mil funcionários, voltando ao nível de emprego de meados de 2010.
Moan explica que, dos cerca de 131 mil empregados da indústria, mais de 40 mil já estão enquadrados no Programa de Proteção ao Emprego (PPE) ou devem entrar em breve. “O número de funcionários está muito acima do que a produção demanda”, destaca.
Nem o aumento das exportações foi capaz de amenizar o impacto da crise no setor. No acumulado até novembro, as vendas ao exterior cresceram 18,9% em volumes. Já em valores, houve retração de pouco mais de 10% na mesma base de comparação, basicamente em função do mix de produtos, informa a Anfavea.
Moan observou que um possível impeachment da presidente Dilma Rousseff poderia trazer ainda mais prejuízo para a economia brasileira e para o setor automotivo.
O dirigente, demonstrando certa incredulidade no avanço do processo de impeachment, salientou que a prioridade deveria ser a de restabelecer a confiança no País. “Precisamos superar as desavenças políticas e achar um caminho para a retomada da economia”, disse. (DCI/Juliana Estigarríbia)