Nova MP sob suspeita de “encomenda” livrou montadoras de dívidas junto à Receita Federal

O Estado de S. Paulo

 

Uma medida provisória editada pelo governo em 2010 e aprovada pelo Congresso no ano seguinte, que ajudou montadoras de veículos a se livrar de dívidas com a Receita Federal, também está sob suspeita de ter sido “encomendada”. A Polícia Federal e o Ministério Público Federal buscam conexões entre a MP 512, que permitiu a empresas do setor automobilístico zerar débitos em julgamentos no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), e a MP 471, de 2009, já investigada por haver indícios de ter sido “comprada” por meio de um esquema de lobby e corrupção, revelado pelo Estado.

 

A MP 512, assinada em novembro de 2010 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, estabeleceu regras complementares à MP 471.

 

A primeira norma prorrogou de 2011 a 2015 benefícios fiscais de fábricas instaladas ou que quisessem se instalar no Norte, no Nordeste e no Centro­Oeste, desde que fizessem investimentos. Porém, não autorizou novas empresas a aderir à política de “desenvolvimento regional”, tampouco que as já contempladas apresentassem novos projetos.

 

Ao enviar a MP 512 ao Congresso, o governo Lula resolveu essa questão, ampliando o conjunto de beneficiárias. Além disso, permitiu que créditos de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) valessem não mais até 2015, mas até 2020. Por causa da conexão entre as duas MPs, a norma mais recente também entrou na mira dos investigadores.

 

O Congresso incluiu na MP 512 três novos artigos ao convertê-la na Lei 12.407, em maio de 2011. Os trechos adicionados por deputados e senadores resolveram uma antiga controvérsia com o Fisco, assegurando às fábricas ganho de causa em processos discutidos no Carf. Um esquema de corrupção nesse órgão é investigado na Operação Zelotes.

 

A Receita não concordava que as montadoras aproveitassem os créditos de IPI assegurados pelas medidas provisórias de 2010 e 2011 e, concomitantemente, se beneficiassem de um regime especial de tributação instituído em 2001 por outra norma, a MP 2.158­35, que previa desconto de 3% no mesmo IPI. Para a Fazenda Nacional, tratava­se de um acúmulo indevido de benefícios.

 

A nova lei, no entanto, pontuou que, “para efeito de interpretação”, não havia óbice em somar as duas vantagens. A solução foi incluída em parecer do então deputado Moreira Mendes (PPS­RO), designado para relatar a MP 512 na Câmara. Ele escreveu que a proposta esclarecia “qualquer dúvida sobre a possibilidade de fruição conjunta”. Procurado pelo Estado, o ex­congressista não ligou de volta.

 

O texto emendado passou pelas duas casas do Congresso e pela sanção da presidente Dilma Rousseff. Quase automaticamente, virou argumento usado pelos contribuintes no Carf. Em outubro de 2011, a Ford, uma das principais beneficiadas pela MP 512, reverteu condenação no órgão com base na nova norma.

 

Fora a ajuda providencial para apagar dívidas no chamado “tribunal da Receita”, a MP ainda livrou o setor automotivo de recolher cerca de R$ 900 milhões por ano, nas contas do governo.

 

A Ford não respondeu a questionamentos da reportagem. Em nota, a montadora afirmou ser “uma empresa comprometida com a ética e a integridade em todos os aspectos do negócio” e que “tem uma posição forte e clara contra a corrupção em todas as nossas operações”.

 

Inovar­-Auto

 

Outra MP que está na mira dos investigadores é a 638/2014, que instituiu novas regras para o Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica e Adensamento da Cadeia Produtiva de Veículos Automotores (Inovar­Auto). O programa passou a ser investigado na Operação Acrônimo depois que a Polícia Federal detectou indícios de que a CAOA, fabricante de modelos Hyundai no Brasil e rede de revendas de diversas marcas, que a mantivessem como beneficiária.

 

A montadora fez pagamentos a um empresário ligado ao ex­ministro do Desenvolvimento e atual governador de Minas, Fernando Pimentel (PT). A CAOA e o petista negam irregularidades. (O Estado de S. Paulo/Fàbio Fabrini e Andreza Matais)