Estado de S. Paulo
Diante da crescente preocupação do governo com a alta no preço dos alimentos, auxiliares do presidente Luiz Inácio Lula da Silva buscam informações que ajudem a explicar os motivos que levaram o óleo de soja a aumentar quase 30% no ano passado. Querem saber ainda se o aumento da produção de etanol pode estar influenciando os preços do milho.
Representantes empresariais relataram ao Estadão que estão respondendo a pedidos de informação enviados por emissários de Lula. Procurado, o Palácio do Planalto não se manifestou.
Em entrevista na semana passada, Lula reclamou que o litro do óleo de soja custava R$ 4 quando ele chegou à Presidência e, agora, estava perto de R$ 10. “Eu quero saber se a soja para o biodiesel está criando problema; quero saber se o milho para o etanol está criando problema. Só posso saber disso se chamar os empresários da área para conversar, em vez de ficar falando da coisa sem ter conhecimento”, disse o presidente. Levantamos dados mostrando o que está acontecendo no mercado internacional, o aumento da área plantada e a contribuição do etanol de milho para a segurança alimentar e para a segurança energética”, disse Guilherme Nolasco, presidente da União Nacional do Etanol de Milho (Unem).
Os produtores de óleo de soja também foram contatados. Os dois segmentos estão reunindo informações para mostrar, via Frente Parlamentar do Agronegócio, que o aumento da oferta de biocombustíveis não tem culpa na alta dos preços dos alimentos.
O motivo de preocupação dos auxiliares de Lula é que a mistura dos biocombustíveis nos combustíveis de origem fóssil vai subir em abril. No caso do biodiesel adicionado ao diesel, por exemplo, o porcentual irá de 14% para 15%, em um cronograma que foi acelerado pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). O biodiesel é majoritariamente fabricado com óleo de soja; no caso do etanol, é crescente o uso do milho como matéria-prima no País.
A alta de preço dos alimentos já pesa na popularidade de Lula, segundo pesquisa divulgada pela Quaest na semana passada. Oito em cada dez entrevistados disseram ter percebido o aumento nos preços da alimentação no último mês.
No semestre passado, os preços da soja e do óleo de soja no Brasil ficaram acima dos praticados no exterior. A discrepância disparou em setembro e só passou a dar uma trégua em meados de janeiro deste ano, com a perspectiva de entrada da nova safra.
Em resposta aos questionamentos do governo sobre os preços mais altos da soja e do óleo de soja nos últimos meses no País, representantes do setor privado afirmam que o aumento está mais relacionado com a variação do dólar e com a quebra da safra anterior (2023/2024) do que com os biocombustíveis. O primeiro fator eleva o estímulo à exportação, enquanto o segundo cria um cenário interno de menor oferta para o esmagamento para a produção de óleo, com impacto sobre os preços.
Sócio da MB Agro Consultoria, José Carlos Hausknecht cita os mesmos fatores e adiciona um terceiro. Na safra passada, talvez antevendo problemas comerciais com os Estados Unidos sob Donald Trump, a China ampliou a compra de soja do Brasil em cerca de 10%. O volume vendido para compradores chineses subiu de 66 milhões de toneladas para 79 milhões de toneladas. Já dos Estados Unidos, a China reduziu as compras de soja de 32 milhões de toneladas para 24 milhões de toneladas.
“A safra vai ser maior neste ano, a projeção é de uma safra recorde, o que fará com que os prêmios caiam e fiquem negativos, como ocorre todo ano. Agora, o quanto vão cair e ficar negativos neste ano dependerá do efeito Trump”, diz Hausknecht.
Produtores de óleo de soja relataram ao governo que o preço do óleo refinado caiu 3% na semana passada no atacado, e que a tendência é de que siga em queda em razão de um dólar mais baixo neste ano do que o verificado no fim do ano passado (quando chegou ao patamar de R$ 6,30) e do início da safra.
Investimentos
Hoje, produtores afirmam que a capacidade instalada consegue suprir a demanda por óleo de soja para a produção de biodiesel. No entanto, a previsão é de que a mistura prevista no projeto do
Combustível do Futuro fará dobrar a necessidade de esmagamento de soja nos próximos dez anos – o que demandará investimentos e financiamento, via BNDES, para a construção de unidades produtivas. Além do biodiesel, o óleo de soja deverá ser usado na produção de SAF (combustível sustentável para aviação) e no HVO (diesel verde).
No caso do etanol de milho, Guilherme Nolasco, presidente da União Nacional do Etanol de Milho (Unem), afirma que o aumento da produção do grão para o etanol ocorre em áreas já plantadas de soja, no que se convencionou chamar de “segunda safra” brasileira – feita logo após a colheita da soja. Apenas 15% da produção de milho do País vira etanol.
Ele afirma que, além de aumentar a produtividade da soja, o plantio de milho e seu esmagamento para a fabricação de etanol também vêm contribuindo para ampliar a oferta de farelo para ração animal, principalmente de bovinos, o que pode ajudar no preço da carne. “A produção de etanol de milho não é concorrente e não tem nada a ver com o preço dos alimentos”, afirma Nolasco. “Nosso desafio é mostrar ao mundo hoje que podemos produzir muitas coisas ao mesmo tempo, sem substituir uma cultura por outra e sem avançar sobre áreas não produtoras. É um sistema diferente de produção e de uso do solo.” (Estado de S. Paulo/Mariana Carneiro)