Combustíveis sobem e Estados turbinam arrecadação recorde

O Estado de S. Paulo

 

A partir de hoje, com a elevação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre os combustíveis, o litro da gasolina fica R$ 0,10 mais caro nos postos, enquanto o diesel sobe R$ 0,06. No caso do diesel, o preço também deve ser impactado por um aumento anunciado pela Petrobras ontem, de R$ 0,22 por litro.

 

O reajuste do ICMS foi decidido em outubro passado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que reúne os Estados. O aumento no preço dos combustíveis ocorre no momento em que os Estados batem recordes de arrecadação, puxados principalmente pelo ICMS.

 

Em São Paulo, a arrecadação de impostos estaduais em 2024 totalizou R$ 269,8 bilhões, o maior valor da história e uma alta de 13,5% em relação ao ano anterior. Só o ICMS somou R$ 218,7 bilhões, alta de 12,9%. Os preços administrados, que incluem combustíveis, energia elétrica e comunicação, representaram crescimento de 19% na arrecadação do Estado.

 

O Rio Grande do Sul também bateu recorde na arrecadação, apesar das enchentes que atingiram o Estado em 2024. O Estado arrecadou no ano passado R$ 58,7 bilhões em tributos estaduais, alta de 12,79% em relação a 2023 – só com combustíveis, o aumento foi de 35%. As receitas do ICMS somaram R$ 50,8 bilhões ao longo de 2024.

 

Consumo em alta

 

“O crescimento do consumo das famílias vem surpreendendo e, nos últimos dois anos, subiu acima do que a maioria dos economistas projetavam. Estamos tendo um crescimento liderado por consumo, e o ICMS é um tributo que incide principalmente sobre o consumo das famílias”, afirma o economista Robson Gonçalves, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e consultor do Instituto Brasileiro de Economia (FGV/Ibre).

 

“De outro lado, tem a inflação. Pelo menos metade do crescimento do ICMS é inflação. Isso reforça o caixa dos Estados, mas representa uma perda do poder aquisitivo para a população”, diz o especialista.

 

A Pesquisa Mensal do Comércio, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta aumento de 7,1% nas receitas do comércio varejista ampliado em 12 meses até novembro, dado mais recente, o que demonstra atividade aquecida e que reflete no imposto.

 

Para Gonçalves, o aumento do ICMS sobre os combustíveis não deve gerar tantos impactos na inflação, mas é uma medida que favorece a arrecadação dos Estados. “É uma mordida pequena no bolso de cada contribuinte e uma mordida grande para o Fisco dos Estados.”

 

A arrecadação dos seis Estados que já divulgaram dados consolidados referentes a 2024 para o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) – Bahia, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Rio Grande do Sul, Sergipe e Tocantins – somou R$ 150,9 bilhões, alta de 12,86% em relação ao ano anterior.

 

Considerando só o ICMS, as receitas desses Estados foram de R$ 129 bilhões, aumento de 12%. Quando são separados apenas os números da arrecadação com combustíveis e lubrificantes, o valor é de R$ 27,3 bilhões, alta de 22%, bem acima da inflação do ano passado (4,83%).

 

Campanha

 

No governo Bolsonaro, uma lei limitou a cobrança do ICMS e implementou a desoneração sobre os combustíveis para baixar o preço do produto em período eleitoral. A medida foi fortemente criticada pelos governadores. A regra foi revogada no governo Lula, e agora os Estados tentam recuperar a arrecadação.

 

“No governo anterior, houve uma queda de braço entre o governo federal e os governos estaduais. O combustível, que é um produto de difícil substituição (para o consumidor), sempre acaba sendo alvo. É fácil de aplicar o imposto e fácil de cobrar”, afirma o economista Helcio Tokeshi, ex-secretário de Fazenda de São Paulo.

 

O Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz) afirmou que “a tributação é diretamente proporcional aos preços do mercado, acompanhando os valores médios nacionais pagos pelo consumidor final”.

 

Incógnita

 

Daqui para frente, especialistas dizem que a economia não estará tão aquecida assim, o que coloca em dúvida se o crescimento da arrecadação dos Estados é sustentável. “A perspectiva é de desaceleração da economia, um choque da taxa de juros, com um crescimento mais lento na criação de empregos e no consumo das famílias”, diz o economista da FGV Robson Gonçalves.

 

Além disso, a alta dos impostos tende a não se repetir em 2026, ano de eleição, em função da dificuldade política de se cobrar mais tributos da população. “Uma atividade econômica muito forte reduz o desemprego, aumenta a massa salarial e as pessoas passam a consumir mais. O grande ‘x’ da questão é saber se isso tem fôlego”, diz o economista Newton Marques, membro do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal. (O Estado de S. Paulo/Daniel Weterman)