Calotes e processos afetam programa de biocombustíveis

Estado de S. Paulo

 

Em vigor desde 2019, as regras de comercialização dos Créditos de Descarbonização (CBIOs), criados pelo programa RenovaBio de estímulo à produção de biocombustíveis, não estão sendo cumpridas. De acordo com um relatório do Citi, ao longo do ano passado, 61 distribuidoras de combustíveis, a maioria de pequeno e médio portes, descumpriram as metas de descarbonização estabelecidas pela iniciativa e estão sujeitas às punições previstas na nova lei.

 

Para escapar das penalidades, essas distribuidoras estão recorrendo à Justiça. O Estadão/Broadcast apurou que existem atualmente 41 processos judiciais em que distribuidoras regionais pedem a suspensão das obrigações de compra dos créditos de descarbonização, mediante depósitos judiciais que equivaleriam às suas emissões de carbono definidas por certificadoras independentes.

 

Para atingir pelo menos 85% das metas estipuladas pelo programa, essas distribuidoras teriam de comprar os CBIOs, que são emitidos pelos produtores de biocombustíveis, como forma de compensar suas emissões de gases de efeito estufa.

 

As pequenas distribuidoras reclamam da volatilidade desse mercado, enquanto as grandes afirmam que o descumprimento das regras gera concorrência desleal, que resulta em custos menores e permite preços mais competitivos às pequenas.

 

Uma lei concebida para endurecer as penalidades a inadimplentes foi sancionada neste ano e, como um voto de confiança à legislação, as grandes distribuidoras recuaram da estratégia de também questionar o programa na Justiça.

 

“Vemos uma maior fiscalização do Programa RenovaBio como positiva para o setor de distribuição de combustíveis, pois o não cumprimento da meta por alguns players gera concorrência desleal no setor e garante uma margem maior a esses players, uma vez que o custo de aquisição de CBIOs é repassado ao preço do combustível fóssil e suportando um aumento de market share desses players”, dizem no relatório do Citi.

 

Os analistas estimam que, em 2024, cerca de 12% (contra 13% em 2023) do mercado de diesel e 15% (ante 17% em 2023) de gasolina, etanol e gás natural (até novembro) foram comercializados por empresas que não atingiram o mínimo para estar em conformidade com o RenovaBio.

 

Já as quatro maiores distribuidoras nacionais, Vibra, Grupo Raízen, Ipiranga e AleSat, estão em dia com o programa e responderam, em 2024, por 55% da meta, com a compra de 25,7 milhões de CBIOs.

 

Nas contas do Citi, com a compra de CBIOs ao longo de 2024, a Vibra desembolsou cerca de R$ 840 milhões, e a Ipiranga, R$ 617 milhões, implicando um custo por metro cúbico de R$ 23 no primeiro caso, e de R$ 26 no segundo, para atingir a meta.

 

Revisão do programa

 

As pequenas distribuidoras, por seu lado, alegam na Justiça que a nova lei sancionada este ano é inconstitucional. Essa lei não mexe em aspectos estruturais do programa, como a obrigação unilateral de compra dos CBIOS (a oferta dos créditos não é compulsória) e sua volatilidade de preços. Mas executivos das empresas definem a nova lei como “intimidatória” e “legalmente frágil” ( mais informações nesta página).

 

Em nota ao Estadão/Broadcast, a Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP) disse que vem priorizando “processos sancionadores” contra empresas que não cumprem metas do programa, que além de “multas pode levar à cassação da autorização e funcionamento”. Há, segundo a ANP, quatro empresas nessa situação extrema por não pagarem multas.

 

Procurada, a Federação Nacional das Distribuidoras de Combustíveis, Gás Natural e Biocombustíveis (Brasilcom), que representa as distribuidoras regionais, disse apoiar o programa, mas que considera “urgente” uma revisão. (Estado de S. Paulo/Gabriel Vasconcelos e Talita Nascimento)