O Estado de S. Paulo
Mercosul e União Europeia concluíram acordo de livre-comércio que pode criar um bloco com 700 milhões de consumidores e PIB de US$ 22,3 trilhões. Negociado desde 1999, o acordo, anunciado em Montevidéu, prevê zerar tarifas de importação de mais de 90% dos bens comercializados entre para exportar artigos industrializados. Ainda existe um longo caminho até a efetivação do acordo. Um tratado anterior chegou a ser anunciado em junho de 2019, mas nunca saiu do papel. A França resiste ao acordo, que diz ser “inaceitável”. O país tem apoio da Polônia e tenta convencer Holanda, Áustria e Itália a se juntar na oposição ao texto.
“Num mundo de cada vez mais confronto, demonstramos que as democracias podem se apoiar mutuamente. Esse acordo não é apenas econômico, é necessidade política” Ursula von der Leyen
Comissão Europeia
A União Europeia e o Mercosul anunciaram ontem a conclusão de acordo de livre-comércio com potencial para criar um bloco com 700 milhões de consumidores e um PIB total de US$ 22,3 trilhões. O anúncio foi feito pelo presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, e pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, durante cúpula do Mercosul em Montevidéu. Os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil), Javier Milei (Argentina) e Santiago Peña (Paraguai) também estavam presentes.
Negociado desde 1999, o acordo prevê zerar as tarifas de importação de mais de 90% dos bens comercializados entre os blocos. Se adotado, o tratado permitirá que os países fundadores do Mercosul ganhem o mercado europeu para seus principais produtos, especialmente commodities agrícolas (como carne, açúcar ou soja). A UE, por sua vez, teria mais facilidade para exportar artigos industrializados, como veículos, maquinário e produtos farmacêuticos.
Segundo analistas, o setor agrícola brasileiro deve ser um dos maiores beneficiados pelo acordo. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) disse que, diante da perspectiva de entrada de concorrentes europeus, “seguirá atuante” para “viabilizar as ações necessárias para elevar a competitividade dos setores produtivos do Brasil”.
Já o presidente da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), José Velloso, disse que o Brasil precisa agora fazer sua “lição de casa”, citando a necessidade de o País reduzir seu custo de produção, ampliar o crédito e trabalhar em mecanismo de financiamentos voltados à exportação. Estudo do governo projeta que o acordo pode gerar efeito positivo de 0,34% sobre o PIB brasileiro (R$ 37 bilhões), com aumento de 0,76% nos investimentos (R$ 13,6 bilhões).
Do ponto de vista prático, ainda existe um longo caminho até a efetivação do acordo. O texto do anúncio de ontem terá de passar agora por revisões jurídicas e ser traduzido para as 23 línguas oficiais da UE e as 2 línguas oficiais do Mercosul. Só depois disso é que, efetivamente, será assinado. A partir daí, precisará ser aprovado pelo Conselho e pelo Parlamento Europeu e pelos Parlamentos dos países envolvidos. Um tratado anterior chegou a ser anunciado em junho de 2019, mas nunca saiu do papel com a pressão da opinião pública europeia contra a política ambiental do então presidente Jair Bolsonaro.
“Estamos fortalecendo essa aliança única como nunca antes e, fazendo isso, estamos enviando uma mensagem clara e poderosa para o mundo. Num mundo de cada vez mais confronto, demonstramos que as democracias podem se apoiar mutuamente. Esse acordo não é apenas econômico, é uma necessidade política”, disse Ursula.
A mensagem acontece em meio à resistência da França ao acordo. “Estamos cientes de suas preocupações, este acordo inclui salvaguardas robustas.” Já o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o Brasil conseguiu “preservar interesses” no acordo, ao falar sobre cláusulas renegociadas a partir do tratado de 2019, com vitórias em questões como compras governamentais.
‘Inaceitável’
A França, porém, voltou a dizer que o acordo é “inaceitável”. “A Comissão (Europeia) concluiu suas negociações com o Mercosul, que é de sua responsabilidade, mas o acordo não foi assinado nem ratificado. Portanto, este não é o fim da história. O acordo com o Mercosul não entrou em vigor”, diz nota da presidência francesa.
O país sozinho, porém, não teria força suficiente para barrar o acordo no Parlamento Europeu – para isso, são necessários os votos de países com o equivalente a 35% da população do bloco.
O presidente do governo espanhol, Pedro Sánchez, por sua vez, saudou a conclusão das negociações. “Hoje (ontem), a União Europeia conseguiu concluir um acordo histórico com o Mercosul para construir uma ponte econômica sem precedentes entre a Europa e a América Latina”, postou Sánchez, na rede social X.
Trump
A avaliação de analistas é de que a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos deu novo impulso para a aceitação do acordo entre europeus. A necessidade de criar novas geografias de comércio em um mundo onde os EUA tendem a se isolar é um fator que passou a ser levado em conta. Nesse sentido, o anúncio de ontem ainda não garante que o tratado se tornará realidade, mas é uma cartada política que deve pressionar os países ainda resistentes ao acordo. “Com Donald Trump nos EUA, se espera uma desglobalização em cadeia”, disse o economista-chefe da Análise Econômica, André Galhardo.
A França, que já conta com o apoio da Polônia, tenta convencer Holanda, Áustria e Itália a se juntar em oposição ao texto e bloquear a aprovação do acordo. A França, no entanto, está em meio a uma crise política doméstica, depois da queda do primeiro-ministro Michel Barnier. (O Estado de S. Paulo/Beatriz Bulla)