Dólar bate em R$ 6 e pressiona governo por cortes efetivos

O Estado de S. Paulo

 

Em meio ao ceticismo sobre o pacote de contenção de gastos do governo e a escalada do dólar – que ontem chegou a ser cotado a R$ 6 e fechou o dia a R$ 5,98, alta de 1,29% –, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) admitiu que o governo pode ser obrigado a adotar novas medidas de ajuste fiscal para controlar as contas públicas.

 

Haddad afirmou não acreditar em “bala de prata” para reequilibrar as contas públicas. Segundo ele, “certamente vai haver necessidade (de novas medidas)” e de “voltar” ao presidente Lula. O pacote mexe em pontos como salário-mínimo, Benefício de Prestação Continuada (BPC) e previdência dos militares. O governo estima impacto fiscal de R$ 371 bilhões entre 2025 e 2030. Para analistas, as medidas dão sobrevida ao arcabouço fiscal, mas são insuficientes para resolver as contas do País. Pesou na avaliação negativa a isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil mensais.

 

O pacote de corte de gastos anunciado pelo governo na noite de quarta-feira – e detalhado ontem pelos ministros da área econômica – foi recebido com ceticismo por economistas e analistas de mercado, para os quais as medidas não devem ser suficientes para resolver o dilema das contas do País, diante do risco de elevação da dívida pública.

 

As medidas anunciadas pelo governo mexem em pontos como a correção do salário-mínimo, a concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e a previdência dos militares (mais informações nesta página). Pelas contas do governo, o impacto fiscal chegaria a R$ 371 bilhões entre 2025 e 2030 – sendo R$ 30,6 bilhões, em 2025, e R$ 41,3 bilhões em 2026, último ano do atual mandato.

 

“O pacote é decepcionante, demasiadamente disperso, com retorno duvidoso e com benefícios excessivamente concentrados no futuro”, escreveu o diretor de pesquisa macroeconômica para a América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, em relatório a clientes.

 

Ex-secretário especial do Tesouro e Orçamento e atual CEO da Bradesco Asset, Bruno Funchal avaliou que o pacote está na direção correta, mas deve ficar aquém dos R$ 70 bilhões até 2026 anunciados pelo governo. “Na nossa visão, talvez não chegue a R$ 70 bilhões. Talvez chegue a algo em torno de R$ 40 bilhões”, calcula.

 

Como resultado, o dólar cravou novo recorde histórico, ao fechar a R$ 5,98, uma alta de 1,29% – elevando o ganho na semana para 3,01%. Na máxima do dia, chegou a valer R$ 6. Já o Ibovespa, principal indicador da Bolsa, recuou 2,4%, aos 124,6 mil pontos. “O ambiente externo já é de incertezas, com a política monetária americana. E, aqui dentro, o governo perdeu uma oportunidade de dar um sinal positivo”, disse o economista-chefe da Western Asset, Adauto Lima.

 

Pesquisador associado do Ibre/FGV, Armando Castelar endossa a avaliação de que o pacote fiscal decepcionou. Segundo ele, há risco para a piora dos ativos brasileiros e a vida do Banco Central ficou mais difícil. “O câmbio vai pressionar ainda mais os preços”, disse. “O desafio do Banco Central ficou mais complicado. O mercado está precificando uma Selic batendo em 14,5% até o fim do ano que vem.” A taxa básica de juros está hoje em 11,25%.

 

Em entrevista para detalhar as medidas, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, admitiu que o governo pode ser obrigado a adotar novas medidas de ajuste fiscal para controlar as contas públicas. Segundo o ministro, “certamente vai haver necessidade (de novas medidas)” e que “voltará” ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva caso seja necessário. “São passos muito importantes esses que estão sendo dados. E, se precisarem outros, e certamente vai haver necessidade, nós vamos estar aqui para voltar à mesa do presidente (Lula) com as nossas ideias e tentando sintonizar as nossas ações em torno desse projeto”, disse ele, acrescentando não acreditar em “bala de prata” para reequilibrar as contas públicas.

 

O governo começou a mapear os projetos já em tramitação antes de enviar o pacote ao Congresso. Integrantes do Palácio do Planalto avaliam se é possível juntar as medidas a propostas que estão hoje na Câmara e no Senado. Assim, se poderia ganhar tempo para tentar aprovar as medidas ainda em 2024. (O Estado de S. Paulo/Alvaro Gribel, Daniel Weterman, Luiz Guilherme Gerbelli, Aline Bronzati e Renata Pedini)