Pacote de cortes vem com maior isenção de IR; dólar bate recorde

O Estado de S. Paulo

 

O governo anunciou ontem a intenção de economizar R$ 70 bilhões em dois anos, sem detalhar as medidas. Em rede nacional, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) mencionou a adoção de idade mínima de 55 anos para reserva remunerada de militares, um esforço contra supersalários e limites a benefícios tributários. O ministro, entretanto, confirmou isenção de IR para quem recebe até R$ 5 mil por mês, promessa de campanha de Lula. O tema integra reforma que irá ao Congresso em 2025, mas foi anunciado a contragosto da Fazenda, para aplacar a resistência ao ajuste – a compensação viria com taxação extra a salários superiores a R$ 50 mil. À tarde, com a informação de que se mexeria na tabela do IR, o dólar disparou. A moeda terminou o dia com alta de 1,81%, a R$ 5,91, maior valor nominal da história do real. O Ibovespa fechou em queda de 1,73%. Economistas não creem que o pacote garanta superávit fiscal.

 

Após uma série de reuniões ministeriais e consecutivos adiamentos nas últimas semanas, o governo anunciou ontem à noite um pacote de medidas para contenção de gastos, na tentativa de dar sobrevida ao arcabouço fiscal e retomar a confiança nas contas públicas. Mas, com o pacote, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou também medida que vai na direção contrária: a isenção de Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil por mês – promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula Silva.

 

Divulgada por Haddad em pronunciamento em rede nacional de rádio e televisão, a proposta integra a reforma tributária da renda e será enviada ao Congresso só no ano que vem, mas foi anunciada com o pacote na tentativa de minimizar o impacto político e aplacar as resistências às medidas de ajuste fiscal – ainda que a contragosto da Fazenda (mais informações na pág. B2). Segundo Haddad, as propostas “reafirmam nosso compromisso com um Brasil mais justo e eficiente”.

 

Como forma de compensar a perda de receita com a medida, o governo anunciou maior taxação sobre os mais ricos, que ganham acima de R$ 50 mil por mês. O ministro também afirmou que, quando houver déficit primário (saldo negativo nas contas), “ficará proibida a criação, ampliação ou prorrogação de benefícios tributários”.

 

A informação de que o governo mexeria também na tabela do IR começou a circular no meio da tarde e pegou o mercado financeiro ainda aberto. A reação foi imediata. Até então cotado na casa de R$ 5,83, o dólar disparou e rompeu a barreira de R$ 5,90 em poucos minutos. Na máxima da sessão, por volta das 16h, chegou a R$ 5,92. Terminou o dia com alta de 1,81%, valendo R$ 5,91 – maior patamar nominal de fechamento da história do real. O Ibovespa, principal indicador da Bolsa, também registrou ritmo maior de perdas no período da tarde, para fechar em queda de 1,73%, aos 127,6 mil pontos.

 

Depois do pronunciamento do ministro, economistas ouvidos pelo Estadão avaliaram que as medidas podem não ser suficientes para alcançar o resultado primário do arcabouço.

 

A equipe econômica prevê poupar R$ 70 bilhões com o ajuste fiscal até o fim do mandato de Lula – sendo R$ 30 bilhões, em 2025, e R$ 40 bilhões em 2026. As medidas não envolvem corte de gastos em relação aos valores de hoje, mas representam diminuição do ritmo de crescimento dessas despesas nos próximos anos.

 

O pacote, que será detalhado hoje pela equipe econômica, inclui, entre outras medidas, a limitação do crescimento do salário mínimo ao teto de despesas do arcabouço fiscal e propõe mudanças nas regras do abono salarial e na previdência de militares.

 

O anúncio do aumento da isenção de Imposto de Renda para a faixa de até R$ 5 mil representou uma derrota para a equipe econômica nas discussões internas do governo. Nos bastidores, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, vinha tentando dissuadir o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de anunciar a medida neste momento, por entender que ela merece uma discussão à parte, dentro da reforma da renda – que ainda está em fase de elaboração.

 

Apesar do anúncio de ontem à noite, a expectativa é de que a medida só seja enviada ao Congresso no ano que vem, após a aprovação da reforma tributária sobre o consumo. Como o objetivo é de que a isenção seja “neutra” do ponto de vista fiscal, haverá também compensações, como a tributação dos mais ricos – pessoas com renda mensal a partir de R$ 50 mil.

 

Mesmo projeto

 

Segundo interlocutores da Fazenda, ambas as propostas – isenção do IR até R$ 5 mil e tributação dos mais ricos – estarão incluídas em um mesmo projeto de lei. Com isso, no entendimento da equipe econômica, uma não poderá ser aprovada sem a outra, para não ferir esse princípio da neutralidade tributária.

 

 

Mas um dos temores do mercado financeiro é de que a isenção do IR seja aprovada com maior velocidade no Congresso, por se tratar de uma medida popular, enquanto a compensação com a tributação dos mais ricos não avance nas discussões. Mesmo que a Fazenda entenda que ambas as medidas estarão no mesmo projeto de lei, o Congresso terá autonomia para mexer no texto e dar o seu formato final.

 

Nesse caso, poderá valer a visão do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou que nenhum aumento de gastos, ou renúncia de receitas, poderá ser aprovada no Congresso sem a apresentação das devidas compensações.

 

Galípolo

 

Segundo apurou o Estadão, o esforço para convencer Lula de que a medida não seria bem recebida neste momento envolveu até o futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, que foi ao Palácio do Planalto conversar com o presidente Lula e explicar a reação que o mercado financeiro poderia ter com a medida – o dólar acabou fechando ontem em R$ 5,91, em recorde histórico.

 

Lula foi alertado de que o pacote de cortes acabaria sendo ofuscado pela “novidade da isenção do IR”. Ainda assim, o presidente resolveu seguir adiante com a ideia, já que ela constava em seu programa de governo. A Fazenda também entendeu que havia um limite para se contrapor a Lula, já que essa era uma promessa de campanha.

 

Renúncia fiscal

 

Em entrevista ao Estadão, o CEO da Verde Asset e gestor do fundo Verde, Luis Stuhlberger, estimou que a isenção levaria a uma renúncia de receitas entre R$ 70 bilhões e R$ 80 bilhões por ano. Ainda que viesse acompanhada da taxação dos mais ricos, o governo conseguiria repor cerca de R$ 40 bilhões desse valor. A Fazenda, contudo, entende que o custo fiscal total com a medida seria menor, em torno de R$ 40 bilhões. (O Estado de S. Paulo/Alvaro Gribel, Daniel Weterman, Luiz Guilherme e Antonio Perez)