O Estado de S. Paulo
O dólar subiu 1,53% ontem e encerrou o dia a R$ 5,86. É a maior cotação desde 13 de maio de 2020 (R$ 5,90), auge da pandemia de covid-19. No ano, a valorização chega a 20,9%. O Ibovespa, principal índice da Bolsa de Valores (B3), recuou 1,23%, aos 128.120 pontos – o menor patamar desde 7 de agosto. A falta de definição sobre o pacote de corte de gastos em estudo pelo governo e os possíveis desdobramentos da corrida eleitoral nos EUA mais uma vez contribuíram para o cenário. Na próxima semana, o Copom se reunirá para definir a taxa Selic. Com a perspectiva de que a inflação suba por causa do dólar, alguns bancos já projetam alta de 0,5 ponto na Selic, hoje em 10,75% ao ano.
O primeiro pregão de novembro foi marcado pela disparada do dólar, que subiu 1,53% e terminou valendo R$ 5,86. É o maior patamar desde 13 de maio de 2020 (R$ 5,90), ou seja, no auge da pandemia de covid-19. No ano, a valorização acumulada já chega a 20,9%. O dia também foi de nova alta dos juros no mercado futuro e de queda da Bolsa (mais informações nesta página).
Dois fatores estão por trás desses números. O primeiro é a falta de notícias concretas sobre o pacote de corte de gastos prometido pelo governo para depois das eleições. A ausência do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, do País na próxima semana (ele terá reuniões em quatro capitais na Europa) foi lida no mercado como mais atraso no anúncio das medidas. O outro fator tem a ver com os desdobramentos da disputa presidencial nos EUA. A possibilidade de vitória do republicano Donald Trump levanta o temor de juros e dólar fortalecidos por políticas comerciais agressivas e alta do déficit fiscal americano.
O grande problema dessa forte alta do dólar em um curto espaço de tempo é o impacto que isso tem nas expectativas de inflação. Segundo o economista Luis Otávio Leal, da G5 Partners, para cada 10% de alta da moeda americana a estimativa é de que o IPCA aumente cerca de 0,4 ponto porcentual. Isso ajuda a entender por que o Banco Central tem tido dificuldade de “ancorar” as expectativas do mercado, ou seja, fazer com que os economistas projetem a inflação no centro da meta de 3% nos próximos anos.
Como nem toda a alta do dólar estava no radar dos especialistas, a expectativa é de que, mantido o patamar atual, as projeções de inflação voltem a piorar nas próximas semanas. “Considerando que há um ano o dólar estava perto de R$ 4,85, se for para R$ 6,00 será uma valorização de quase 25%, o que poderia impactar o IPCA em até 1 ponto”, explicou.
Copom
Na próxima semana, o BC terá nova reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) para definir a taxa Selic. Ontem, antes mesmo do fechamento do mercado, o Itaú Unibanco divulgou relatório prevendo aceleração no aumento dos juros, que deve subir 0,5 ponto, ante 0,25 de alta na reunião anterior (em setembro). Com isso, a Selic pode chegar a 11,25%, para subir novamente em dezembro e terminar o ano em 11,75%.
O Itaú cita outros fatores que têm pressionado a inflação, como o mercado de trabalho apertado, já que o desemprego está em nível historicamente baixo. Se por um lado há o efeito benéfico sobre o nível de atividade e a renda das famílias, por outro significa menor estoque de mão de obra para trabalhar, com reflexos sobre a inflação de serviços.
“Diante de um cenário ainda desafiador, com taxa de câmbio em nível mais depreciado do que na reunião anterior, mercado de trabalho apertado e núcleos de inflação e expectativas ainda acima da meta, as autoridades devem julgar apropriado este aumento do ritmo, avançando mais rapidamente em território contracionista. Neste contexto, a avaliação de um balanço de riscos assimétrico para cima também deve ser mantida”, afirmou o Itaú.
Em relação ao cenário externo, o governo brasileiro não tem nenhum controle, já que uma possível vitória de Donald Trump pode elevar a inflação nos Estados Unidos, o que forçará o Federal Reserve (o banco central dos EUA) a manter os juros mais elevados. Isso tende a fortalecer o dólar globalmente.
Mas os economistas frisam que está nas mãos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva apoiar as medidas em estudo pela equipe econômica para cortar gastos e, assim, tentar recuperar a confiança sobre a solvência das contas públicas.
Com a falta de novas medidas no campo fiscal, o mercado vem, semana após semana, elevando suas projeções para as taxas de juros e de câmbio. Mesmo assim, a leitura é de que o Banco Central não dá sinais de que atuará para conter a piora dos ativos. Por ora, tem seguido a cartilha de que intervenções para segurar as cotações do dólar devem ser raras e ocorrer apenas em momentos de disfuncionalidade ou volatilidade excessiva.
O Estadão/Broadcast apurou que, entre os dealers que atuam na compra e venda de moeda estrangeira, não há pedidos diretos para a entrada de recursos do Banco Central. No total, 16 bancos têm contato permanente com o BC, segundo uma lista publicada no site da autarquia. Eles costumam indicar quando há necessidade de leilões por questões técnicas. Uma “prova” de que há liquidez suficiente para os negócios, de acordo com um estrategista de mercado que trabalha para uma dessas instituições, é que o fluxo cambial estava positivo em US$ 244 milhões até o fim da semana passada.
Outros operadores ouvidos sob a condição de anonimato concordam que não faria sentido uma intervenção do BC no mercado de câmbio. Argumentam que a depreciação do real tem sido puxada pelo risco fiscal, e não por um episódio de falta de liquidez. Socorrer o real agora seria até contraproducente no que diz respeito ao sinal para a necessidade de ajustes nas contas públicas, complementam esses operadores.
O motivo para a ausência de atuação vem sendo abordado pelos porta-vozes da autoridade monetária com alguma regularidade nos últimos tempos. “Deixamos a política cambial para absorver choques externos, e temos escolhido intervir no mercado muito raramente, apenas em momentos em que há disfuncionalidade ou volatilidade excessiva”, chegou a afirmar o diretor de Assuntos Internacionais e Gestão de Riscos Corporativos do BC, Paulo Picchetti, há uma semana, em uma reunião da XP com investidores, em Washington.
Uma semana antes, o diretor de Política Monetária e futuro presidente da instituição, Gabriel Galípolo, já havia afirmado que o BC estará pronto para agir quando houver necessidade, mas que, até aquele momento, não havia “nenhuma mudança do ponto de vista de institucionalidade do consumo desses dados e da lógica de atuação”.
Nesse último ciclo de comunicação, os diretores vêm repetindo que o risco fiscal adicionou prêmios às expectativas e aos preços de ativos e que, sem um choque positivo nas contas públicas, não será possível diminuir a Selic. Em evento recente, o diretor de Política Econômica, Diogo Guillen, reforçou que a instituição não trabalha com uma “meta” para a taxa de câmbio, mesmo que ela tenha efeito sobre a inflação. (O Estado de S. Paulo/Alvaro Gribel)