O Estado de S. Paulo
As iniciativas para descarbonização caminham lentamente e ainda há muito a ser feito. Esse é o resumo das discussões sobre o tema durante o Fórum Estadão Think: Neoindustrialização apoiada pela transição energética – Como unir a política industrial e a política de sustentabilidade. O evento foi realizado ontem, na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
Segundo o advogado Rodrigo Pupo, um dos papéis que o Brasil precisa assumir com mais protagonismo é o de estar presente em fóruns internacionais, onde os debates atuais estão sendo travados.
“Há várias metodologias que estão sendo criadas. E, por isso, é preciso acompanhar para os interesses nacionais não ficarem de fora”, explica o especialista em Direito internacional.
No âmbito interno, a celeridade também é importante, avalia Fabricio Silveira, superintendente de Política Industrial da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
“Existe uma grande oportunidade de olharmos para a transição energética como uma grande janela de desenvolvimento para o Brasil. A questão é que a janela tende a ser curtíssima”, afirma.
Para o representante da CNI, o Brasil poderia, em linhas gerais, se inspirar nos processos desenvolvidos nos Tigres Asiáticos, onde, em décadas, a indústria de países como a Coreia do Sul e Cingapura desenvolveram setores de alta complexidade tecnológica, que entregam produtos de valor agregado, apesar de um número menor de geração de empregos.
“No Brasil, não temos dinheiro para uma política industrial mais sistêmica, como nos Estados Unidos. Por isso, é preciso ser bastante preciso nos setores em que vamos decidir aportar esses recursos”, explica Silveira.
“Tanto os europeus quanto os americanos desenvolveram formas de tentar contrapor os subsídios dos chineses em algumas áreas, como nos carros elétricos”, lembra Pupo, para exemplificar como a nova ordem social estará sempre presente, também, no debate pela descarbonização do planeta.
Regulamentação
Apesar de o potencial brasileiro de liderar o setor de hidrogênio ser até mil vezes maior que o do Chile, o país está na frente do Brasil na questão, diz Rogério Zampronha, CEO da Prumo Logística. “Eles (chilenos) foram muito mais ágeis do que nós em termos de regulamentação.”
Apesar de avanços “razoáveis” em temas relacionados a combustíveis sustentáveis, o presidente da Airbus Brasil, Gilberto Peralta, diz estar preocupado com a falta de velocidade nas regulamentações, o conjunto de regras que prevê a criação de programas nacionais de combustível sustentável para aviação (SAF, na sigla em inglês), além de diesel verde e biometano, que ainda depende de sanção presidencial.
Dentro do setor da aviação, a produção do combustível sustentável é a bola da vez. “Esse é o lado que me deixa otimista. Temos todas as condições para desenvolver as questões técnicas com muita facilidade, por causa, por exemplo, de instituições como a Embrapa. O potencial brasileiro nesse campo é o maior do mundo. Temos todas as condições de sermos a Arábia Saudita do SAF.”
Pelas contas do executivo, o Brasil hoje consome por volta de 7 bilhões de litros de querosene para aviação por ano, ante uma capacidade de produção ao redor de 50 bilhões a 60 bilhões de litros de SAF. Enquanto a demanda mundial deverá girar em 400 bilhões na próxima década. “Há muito espaço para a exportação”, diz Peralta.
Pressões
Em seu discurso, o presidente da Fiesp, Josué Gomes da Silva, alertou para as pressões de grupos de interesse que atuam no Congresso Nacional e que têm levado ao aumento do custo de energia para o setor industrial. “Existem grupos de interesse, grupos corporativos fazendo lobbies no Congresso Nacional, defendendo os seus interesses, que podem ser legítimos, mas deixam de ser na medida em que empurram o custo para outros segmentos da sociedade. E, nesse caso, o custo maior acaba sendo pago pela indústria”, afirmou Josué.
O presidente da Fiesp lembrou, por exemplo, dos chamados jabutis – temas sem relação com o texto principal de algum projeto – inseridos na privatização da Eletrobras e da elevada alíquota do Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), estimada entre 26,5% para 28% pelo Ministério da Fazenda, com as mudanças aprovadas na Câmara dos Deputados, na reforma tributária.
“É uma reforma tributária que coloca o Brasil entre os 180 países do mundo que praticam o IVA, mas, ao mesmo tempo, por pressões de grupo interesses, estamos indo para uma alíquota de referência que, provavelmente passe dos 28%”, afirmou. “Uma alíquota de 20% seria possível caso não tivéssemos tantas exceções e descontos para vários segmentos que defenderam o seu próprio interesse.”
O CEO da S.A. O Estado de S. Paulo, Erick Bretas, destacou a capacidade de adaptação e renovação que o setor industrial sempre demonstrou diante das mudanças pelas quais a economia passou.
“Não é diferente desta vez. A emergência climática colocou no topo das prioridades as questões envolvendo energia renovável, gestão de resíduos e consumo racional de matéria-prima. A nossa geração testemunha os esforços da transição do modelo conhecido como extrair, produzir e descartar para o de economia circular.”
“Temos todas as condições para desenvolver as questões técnicas (para desenvolvimento de combustível sustentável) com muita facilidade, por causa, por exemplo, de instituições como a Embrapa. O potencial brasileiro nesse campo é o maior do mundo”, Gilberto Peralta Presidente da Airbus Brasil. (O Estado de S. Paulo/Eduardo Geraque e Luiz Guilherme Gerbelli)