Estados se preparam para ‘duelo’ com governo federal na reforma

O Estado de S. Paulo

 

A segunda etapa da regulamentação da reforma tributária, em fase final de elaboração, mobiliza governadores e secretários de Fazenda, que anteveem um duelo com o governo federal no que diz respeito à autonomia dos Estados e municípios em fiscalizar e arrecadar no novo regime tributário.

 

Se o primeiro texto, com 500 artigos, mobiliza mais o setor privado, interessado em entrar na lista de exceções ou reduzir a carga tributária, o segundo dará os rumos sobre como deverão ser coordenados os fiscos estaduais, municipais e a Receita Federal.

 

O tema já sensibilizou governadores, que se queixam de riscos de perda de autonomia e de dúvidas sobre o funcionamento do comitê gestor, que vai gerenciar a arrecadação e a distribuição do IBS, o novo imposto que surgirá da unificação do ICMS (estadual) e do ISS (municipal). Ainda que o governo tenha reduzido a relevância do comitê e afirme que a divisão se dará por meio de um algoritmo, governadores afirmam que há questões ainda pouco claras.

 

‘Pires na mão’

 

“O temor de governadores e também de prefeitos é de perda de autonomia, e de termos de sair de pires na mão esperando a mesada do comitê gestor”, afirmou ao Estadão o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União. Desde o início da tramitação, ele tem demonstrado preocupação com a reforma, e tenta viabilizar sua candidatura a presidente em 2026.

 

“Que negócio é esse de algoritmo para o funcionamento do comitê?”, questiona Caiado, acrescentando que o funcionamento do órgão ainda é “obscuro”. “A tributação da soja (principal produto do Estado) vai ser no destino. E toda a linha de produção? Hoje, Goiás tem imposto sobre querosene, transporte etc. Vai perder tudo?”

 

Carlos Eduardo Xavier, secretário de Fazenda do Rio Grande do Norte e presidente do Comitê Nacional de Secretários de Fazenda (Comsefaz), afirma que o comitê gestor é “questão central” para os Estados, assim como o Fundo de Desenvolvimento Regional. “No comitê gestor é que estará resguardada a autonomia dos Estados. Ele dialoga com o poder de fiscalização, de como vai ser a distribuição da arrecadação.”

 

“O comitê gestor é de total interesse dos Estados e dos municípios. Então, esse texto tem de ter realmente bastante convergência para podermos defendê-lo no Congresso. Senão, a gente pode pensar em outra hipótese, que seria muito ruim: a apresentação de um texto paralelo”, afirma Xavier.

 

Após a divulgação do primeiro texto da regulamentação, apresentado na quarta-feira passada, o Comsefaz publicou uma nota com nove pontos de desacordo da proposta da Fazenda, entre os quais o período que será utilizado para computar a participação de cada ente no bolo da arrecadação; a sobrevida dos fundos de combate à pobreza, caros ao Norte e Nordeste; e os parâmetros do cashback (devolução de impostos pagos para a população mais pobre).

 

O texto afirma que os Estados e municípios devolverão pelo menos 20% do que arrecadarem nas contas de luz, gás e água e esgoto dessa parcela da população. Xavier observa que o ICMS sobre energia elétrica e combustíveis é hoje uma das principais fontes de arrecadação dos Estados – e, por isso, cada um deve ter autonomia para gerenciar o que pode oferecer em cashback.

 

As diferenças não inviabilizaram a conclusão do primeiro texto e, segundo Xavier, os Estados vão tentar fazer alterações durante a tramitação no Congresso. “Como a gente tinha essas divergências no texto apresentado, não fomos lá (na entrega da primeira fase da regulamentação aos presidentes da Câmara e do Senado). A gente estando, meio que avalizava completamente o texto, e não é isso.”

 

‘Agência poderosa’

 

Governador do Pará e apontado como potencial vice de Lula na eleição de 2026, Hélder Barbalho (MDB) afirma que tem preocupações legais sobre o comitê gestor. “Qual será a figura jurídica dessa verdadeira agência nacional, poderosa, responsável por arrecadar o imposto, efetuar as compensações e distribuir o produto da arrecadação entre Estados e municípios, editar regulamento único e uniformizar a interpretação e a aplicação da legislação e decidir o contencioso administrativo?”. (O Estado de S. Paulo/Mariana Carneiro e Eliane Cantanhêde)