Governo condiciona Mover a investimentos em tecnologia

O Estado de S. Paulo

 

Em meio à disputa entre as montadoras por maior acesso a subsídios no País, o governo federal apresentou ontem, em evento no Palácio do Planalto, as primeiras regras do Programa de Mobilidade Verde (Mover), lançado em dezembro em substituição ao Rota 2030. O Mover prevê, entre outras medidas, créditos financeiros para quem investir em pesquisas, desenvolvimento e produção tecnológica que contribuam para a descarbonização da frota de carros, ônibus e caminhões.

 

Entre outros aspectos, essa primeira portaria de regulamentação do programa prevê gastos mínimos em pesquisa e desenvolvimento (P&D), um sistema de acompanhamento dos investimentos e penalidades em caso de descumprimento das obrigações.

 

O programa exige que as montadoras façam um investimento mínimo em P&D em relação à receita bruta total de venda de bens e serviços relacionados aos produtos automotivos. Os índices variam de acordo com o tipo de veículo. Para automóveis e comerciais leves, por exemplo, o porcentual mínimo da receita bruta que dá direito a créditos tributários começa em 1% neste ano, e vai aumentando gradativamente até chegar a 1,8% em 2028.

 

“Os projetos podem ser apresentados a partir de hoje (ontem), quando foi assinada a portaria regulamentando o Mover”, disse o vice-presidente e ministro da Indústria, Geraldo Alckmin.

 

Na largada, porém, a exigência será inferior ao mínimo que era exigido pelo Rota 2030, que vigorou até o fim do ano passado. O porcentual mínimo de investimento exigido em 2023 era de 1,2% da receita bruta. O governo reconhece que o novo programa parte de um patamar inferior ao que existe hoje, e alega que isso é necessário para não prejudicar a entrada de novos investimentos no futuro. Neste ano, o governo reservou R$ 3,5 bilhões do Orçamento para oferecer renúncias tributárias à indústria automotiva, valor que até 2028 chegará a R$ 19,3 bilhões.

 

Divisão

 

A indústria automobilística passa pelo dilema sobre qual tecnologia vai mover os carros brasileiros nos próximos anos. Se a híbrida flex, com foco no uso do etanol, combustível renovável usado há mais de 40 anos no Brasil, ou a elétrica, que traz junto as discussões de reciclagem de baterias e necessidade de aumento de extração de matérias-primas, como lítio e alumínio.

 

Essa divisão apareceu no evento de ontem. De um lado da mesa de convidados, estava a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), que reúne as maiores montadoras de carros a combustão do País. Do lado oposto, a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE).

 

O presidente da ABVE, Ricardo Bastos, foi o primeiro a falar e logo lembrou que a China, hoje o maior produtor e consumidor de carros elétricos do mundo, deu um salto ao apostar na tecnologia. “Acredito que o Brasil tem condições de tirar proveito dessas lições com a energia renovável que nós temos – e, quem sabe, buscarmos dar um salto na nossa indústria”, disse Bastos.

 

Ele foi seguido por Márcio Lima, presidente da Anfavea: “O Brasil é um país eclético. Vai ter a rota da descarbonização através dos biocombustíveis, com o etanol, com elétrico puro. Vamos ter todas as rotas para a descarbonização”.

 

Nos bastidores e em público, autoridades do governo Lula já demonstraram preferência para que o Brasil desenvolva carros elétricos, mas dê prioridade aos híbridos (que combinam eletricidade e combustão) com motores flex. Só a Toyota fabrica veículos com essa característica atualmente, e o desafio é apostar numa tecnologia que dificilmente terá mercado fora do País – reduzindo potenciais ganhos de escala dos fabricantes.

 

Mas foi a fala do sindicalista Moisés Selerges Júnior, do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, berço político do presidente Lula, que chamou a atenção dos executivos. Não apenas pela influência do movimento sindical no governo do PT, mas também pela ligação que ele traçou com a geração de empregos no setor.

 

“A China apostou na eletrificação dos veículos, como dito aqui, e nós achamos que (o híbrido flex) seja o melhor caminho (para o Brasil). Será que as empresas têm metas de empregos? Nós sabemos que se fizermos uma comparação de um motor a combustão com um motor elétrico, é 60% menor o número de peças (no elétrico)”, disse ele. (O Estado de S. Paulo/Mariana Carneiro, Sofia Aguiar e Luiz Araújo)