Petrobras e governo divergem sobre ‘combustível do futuro’

O Estado de S. Paulo

 

A Petrobras e o Ministério de Minas e Energia travaram um novo duelo na semana passada, quando ainda não havia assentado a poeira da divergência sobre o pagamento de dividendos extraordinários pela petroleira. Com o apoio do agronegócio, a Câmara aprovou, na noite da última quarta-feira, projeto que impõe a adição de biometano ao gás natural a partir de 2026, o que desagradou à Petrobras e levou a indústria a fazer contas. O Ministério de Minas e Energia, por sua vez, ficou do lado oposto.

 

Pelos cálculos da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), a adição de 10% de biometano ao gás natural, limite máximo previsto na lei, implicará gastos extras de R$ 1,712 bilhão à indústria, que é a maior consumidora de gás natural (usa tanto como combustível quanto como matéria-prima).

 

A associação afirma que a iniciativa pode provocar “aumento significativo dos custos operacionais das empresas, levando até mesmo à paralisação de unidades produtivas”, uma vez que o biometano é mais caro do que o gás natural. Produtores de vidros e de energia elétrica, por meio de termelétricas, também estão insatisfeitos – o que, de maneira inusitada, colocou vendedores (no caso, a Petrobras) e consumidores de gás natural do mesmo lado. “É uma venda casada, as empresas não podem ser obrigadas a comprar biometano junto com o gás”, afirma o presidente da Abiquim, André Passos Cordeiro.

 

A lei aprovada na Câmara fixa como obrigatória a adição de 1% de biometano ao gás natural a partir de janeiro de 2026. O porcentual poderá ser alterado pelo Comitê Nacional de Política Energética (CNPE) até o teto de 10%. O texto agora tramita no Senado, onde será relatado pelo senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB).

 

Representantes do setor de biometano afirmam que a obrigação poderá ser cumprida por meio da compra de certificados pelos consumidores de gás natural – ou seja, não necessariamente será feita a mistura do combustível ao gás derivado do petróleo. E argumentam que, assim como o etanol e o biodiesel, o biometano também merece receber estímulos para se desenvolver por ser uma fonte renovável.

 

Outro argumento é de que os preços tendem a cair à medida que mais investimentos forem feitos no setor – o que no jargão técnico se chama de ganhos de eficiência. “Vai ter volume suficiente. Mas o fato de haver um incentivo na lei vai fazer o pessoal se chacoalhar para fazer mais”, afirma Renata Isfer, presidente da Associação Brasileira do Biogás (Abiogás). “Uma planta de biogás sai do papel em um a dois anos.”

 

Procurados, a Petrobras e o Ministério de Minas e Energia não se pronunciaram.

 

‘Combustível do futuro’

 

O projeto de lei que tratou do tema, batizado de PL do “combustível do futuro”, começou a ser debatido em 2021, sob a ótica de inserir combustíveis mais limpos nos transportes de mobilidade urbana. Tanto que há um capítulo dedicado ao aumento da mistura de etanol à gasolina e outro sobre o biodiesel no diesel.

 

Em novembro do ano passado, o biometano entrou nas discussões como ingrediente do gás natural. A iniciativa partiu do relator, o deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), em diálogos com a Abiogás, e recebeu a bênção de políticos ligados ao agronegócio. Em 28 de fevereiro, a exigência se materializou no relatório do parlamentar, duas semanas antes da votação.

 

A principal fonte potencial de biometano no Brasil são as usinas de cana-de-açúcar, que fazem o gás com o bagaço que sobra da produção. Dos seis empreendimentos que hoje atuam na oferta de biometano, há dois aterros sanitários – um no Rio e outro no Ceará – que vendem o gás embarcado em caminhões que alimentam siderúrgicas e veículos pesados. Não há uma rede de escoamento do gás, tampouco ele está conectado à rede nacional do gás natural.

 

A Petrobras chegou a apresentar uma nota técnica indicando o efeito adverso da exigência sobre o preço do gás ao relator, mas não o convenceu. “Tem muitos setores entusiasmados com o biometano e a cadeia que ele vai propiciar é extraordinária”, afirma Arnaldo Jardim. “Um por cento de adicional no gás natural em 2027, mesmo se o biometano for o dobro do gás natural, significa um acréscimo de 1% no custo. Não há impacto estruturante, e o custo não é tão diferenciado assim.”

 

A adição do biometano também foi ideia acolhida pelo secretário de óleo e gás do Ministério de Minas e Energia, Pietro Mendes, que vetou os argumentos da Petrobras em reunião na Casa Civil, segundo relatos obtidos pelo Estadão.

 

Na quarta, ele postou foto com Arnaldo Jardim no plenário da Câmara em suas redes sociais. Na legenda, o comentário: “Texto construído no Executivo sob liderança do ministro Alexandre Silveira no Ministério de Minas e Energia e aperfeiçoado pelo deputado federal Arnaldo Jardim”. Mendes é o principal nome de Silveira no conselho de administração da Petrobras, onde o ministro vem travando disputas nem sempre reservadas contra o presidente da estatal, Jean Paul Prates.

 

Assim como no embate sobre os dividendos, a Casa Civil pendeu para o lado de Silveira, e o texto foi aprovado com o apoio das lideranças do governo e do PT na Câmara. (O Estado de S. Paulo/Mariana Carneiro)