O Estado de S. Paulo
Com um novo corte de 0,50 ponto porcentual da Selic dado como certo na reunião que começa hoje do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, parte do mercado passou a avaliar se o BC vai manter no “piloto automático” o ritmo atual de corte da taxa básica de juros nas próximas reuniões. A revisão de expectativas reflete um cenário de atividade econômica mais forte do que a esperada neste início de ano, com possíveis impactos na inflação.
Ontem, o BC divulgou o resultado do seu IBC-Br de janeiro. Lido como uma “prévia” do PIB (que é calculado pelo IBGE), o índice avançou 0,6%, o que levou alguns bancos a falar em revisão de estimativa para o PIB (mais informações na pág. B5).
A maioria dos economistas ainda vê espaço para que o Copom mantenha no comunicado que vai divulgar amanhã, ao fim da sua reunião, a sinalização (ou “forward guidance”) de que haverá redução da Selic “de mesma magnitude nas próximas reuniões” – no plural. Mas um conjunto crescente de analistas já considera uma flexão da frase para o singular diante dos dados sobre a atividade econômica. Nesse caso, de junho em diante o ajuste monetário provavelmente seria mais lento, de 0,25 ponto porcentual.
Conforme pesquisa do Projeções Broadcast, todas as 55 instituições consultadas esperam o quinto corte seguido de 0,50 ponto da Selic nesta reunião do Copom, de 11,25% para 10,75% ao ano. Além disso, 80% das casas (44) ainda aguardam mais duas quedas do mesmo tamanho nos encontros de maio e junho. Outras 11 preveem alteração no ritmo de cortes na reunião de junho: dez (18%) para 0,25 ponto e apenas uma para 0,75 ponto.
“Ele (o BC) entra o ano de 2024 com uma economia, pelo lado da demanda, muito mais forte do que se esperava”, afirma o economista-chefe da G5 Partners, Luís Otávio de Souza Leal. “Isso só reforça o cenário de que ele vai tirar o plural do ‘forward guidance’. É importante, num momento em que há várias dúvidas com relação à inflação e à atividade mais forte, você ter graus de liberdade.”
Ele diz que as surpresas de janeiro só vão indicar um cenário de atividade mais forte se forem seguidas por resultados melhores também em fevereiro. Mas pondera que o aumento da incerteza sobre o timing de redução dos juros nos EUA também recomenda mais cautela na condução da política monetária doméstica, especialmente em um momento no qual a taxa Selic já caiu 2,5 pontos porcentuais desde o início do atual ciclo de cortes.
Em sua última reunião, no fim de janeiro, o Copom tinha à mão apenas dados de atividade relativos a dezembro, quando a economia brasileira dava sinais de estagnação. Agora, segundo economistas, terá de reavaliar o forte crescimento das vendas do varejo ampliado e dos serviços em janeiro, ambos acima do esperado, assim como a criação de 180 mil empregos formais, também mais do que o previsto.
Para o economista-chefe do Banco BV, Roberto Padovani, os últimos dados econômicos corroboram um cenário de economia mais forte, que poderia dificultar a convergência da inflação para o centro da meta, de 3%. Ele diz que o IPCA resiliente, combinado à preocupação fiscal e à expectativa de turbulências no cenário externo, deve exigir que o BC diminua o ritmo de cortes a 0,25 ponto porcentual já em junho.
“Esses fatores não vão acelerar a inflação, mas vão tornar mais difícil para o BC jogá-la para a meta”, diz Padovani. “Isso significa diminuir o ritmo para 0,25 ponto em junho, derrubar os juros nominais de maneira mais lenta, porque, como a inflação cai de maneira mais lenta, você precisa de um juro real ainda elevado por um tempo.”
O economista-chefe do Banco Fator, José Francisco Lima Gonçalves, diz que o Banco Central só deve indicar mais uma queda de 0,50 ponto (em maio). “O Copom precisa indicar um ambiente global mais desfavorável e surpresas positivas na atividade doméstica, bem como sinais de mercado de trabalho resistente à desaceleração da indústria e do agro, além de crescimento robusto da massa de rendimento, incluindo-se ou não as transferências do governo”, escreveu ele, em relatório a clientes.
O BC tem trabalhado com um “forward guidance” (isto é, uma sinalização sobre os próximos passos da política monetária) desde que começou o atual ciclo de corte de juros, em agosto passado.
‘Sem mudança’
Economista-chefe e fundadora da Buysidebrazil, Andrea Damico tem avaliação diferente do atual cenário. Para ela, neste momento o BC tem incentivo para manter a comunicação atual, até porque uma mudança poderia causar um movimento do mercado indesejado. “Não vemos razão para o BC mudar o ritmo nem o ‘guidance’ neste momento. Tem tempo para (isso). Fazer isso agora pode gerar um ruído e comprometer o fim do ciclo. O mercado poderia começar a precificar queda de 0,25 ponto na próxima (reunião do Copom). O BC poderia perder graus de liberdade (no manejo dos juros)”, afirmou.
Já o economista-chefe da Azimut Brasil Wealth Management, Gino Olivares, reforça que o melhor desempenho do crescimento econômico ainda não tem gerado aumento das projeções de inflação. “Ao contrário, as revisões de inflação têm sido para baixo. A atividade será um problema para o BC quando colocar empecilhos para alcançar a meta. Desde a última reunião, não parece ser o caso”. (O Estado de S. Paulo/Thaís Barcellos e Cícero Cotrim)