O primeiro “ônibus aquático” de São Paulo

O Estado de S. Paulo

 

Prometida pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB) para novembro de 2023, a entrega do ônibus aquático, primeiro transporte hidroviário da cidade de São Paulo, atrasou e tem sido alvo de questionamentos pelo Ministério Público Estadual (MPE) sobre licenças e possíveis impactos ambientais. A linha vai ser implementada na Represa Billings, zona sul da capital, ligando a região do Mar Paulista, em Pedreira, ao Cantinho do Céu, no Grajaú.

 

O Aquático SP traz promessa de acelerar o transporte na região para cerca de 385 mil moradores, facilitando o acesso ao Terminal Santo Amaro e a demais pontos da cidade. O deslocamento é feito hoje por ônibus ou carro, em cerca de 1h20. Já a travessia de barco é estimada em 17 minutos. A via urbana de contorno da Billings tem 17,5 km. Atravessando por embarcação, são 5,6 km.

 

O projeto, que consta no programa de metas 2021-2024 da Prefeitura, vem de lei proposta por Nunes quando ele ainda era vereador e sancionada em 2014 pelo então prefeito Fernando Haddad (PT). No papel, foi elaborado com apoio técnico da Faculdade de Arquitetura de Urbanismo da USP, que defende o modal como transporte mais barato e redutor de poluição.

 

Na semana passada, durante vistoria a um dos terminais de transporte que vêm sendo instalados na represa – serão dois –, Nunes confirmou “problemas com relação às licenças”, mas disse que isso “é natural”. Ele prometeu a entrega para 27 de março, data do 99.º aniversário da Billings. “A gente vai adequando e não está, assim, tão fora do nosso cronograma”, disse. Antes, a previsão era de que a inauguração do Aquático fosse entre outubro e novembro de 2023, conforme disse o prefeito em uma entrevista à Rádio CBN. Depois, o início foi adiado para dezembro, fevereiro e, agora, para o fim de março. Além do atraso, o número de barcos previstos para a operação diminuiu. Na mesma entrevista à CBN, em agosto, Nunes prometeu iniciar com quatro barcos operando já na inauguração. Porém, só dois barcos foram anunciados por ele na última semana.

 

Questionada, a Prefeitura disse que o projeto definitivo “prevê mais embarcações, linhas e estruturas de terminais e atracadouros e está em fase de desapropriações”. O valor de investimento previsto total é de R$ 160,2 milhões.

 

Na mira do MP

 

Ofício enviado pelo MPE à Prefeitura em 23 de fevereiro, ao qual o Estadão teve acesso, fala no risco de “dano à flora em virtude de desapropriação para construção do Atracadouro Pedreira na Rua do Mar Paulista” e “diferença entre a elaboração do Plano Hidroviário e o atual projeto do Aquático SP”. Procurada, a Promotoria de Justiça do Meio Ambiente da capital confirmou em nota haver um procedimento “em andamento”, mas não deu detalhes. “Segundo laudos do CAEX (setor técnico do MP-SP), existem falhas no licenciamento dos atracadouros e da hidrovia.”

 

Em outro laudo do CAEX, de setembro, a Prefeitura é acusada de “fracionar o licenciamento ambiental” e implementar os terminais de ônibus via licença comum, quando deveriam ser licenciados com a hidrovia. O documento também detalha as diferenças entre o projeto do Aquático SP e o proposto pela USP no plano hidroviário da cidade, de 2014. Seriam, principalmente, especificações técnicas das embarcações – o barco adquirido pela Prefeitura utiliza combustível fóssil e não elétrico, como recomenda a universidade – e há “incertezas quanto à necessidade de dragagem da represa”.

 

O MPE questiona ainda a falta de um conjunto de projetos de despoluição e recuperação do entorno da represa, como miniestações de tratamento de água e esgoto. A Prefeitura não informou se, de setembro até hoje, esses pontos foram discutidos e esclarecidos com o MPE e/ou ajustados.

 

Como funciona

 

Nunes tem prometido barcos com ar-condicionado, poltrona estofada, TV, banheiro e coletes salva-vidas em todos os bancos (incluindo para obesos e crianças). O transporte adotará bilhete único, com cobrança de valor igual à dos ônibus municipais (R$ 4,40) e valendo integração. No domingo, assim como ocorre com os ônibus, o Aquático será gratuito.

 

Segundo Alexandre Delijaicov, professor da USP que participou da criação do plano de sistema integrado de hidrovias urbanas do Município e hoje atua como consultor da Prefeitura, enquanto balsas são independentes e geralmente recebem carros e pedestres, o ônibus aquático é integrado ao sistema de transporte, feito só para pedestres e pode ser utilizado para lazer. “Um comparativo internacional é o ônibus aquático de Nova York, entre o Píer 11, em Manhattan, e o Brooklyn baixo”, diz. Em geral, ônibus aquáticos têm capacidade em torno de 60 passageiros e são totalmente cobertos e fechados. Em balsas, a capacidade tende a ser maior. Elas são, muitas vezes, apenas plataformas móveis ao ar livre – embora também existam modelos fechados. (O Estado de S. Paulo/Giovanna Castro)