Carros de passeio herdam recursos desenvolvidos pela F-1

O Estado de S. Paulo

 

Aumentar o volume do rádio. Verificar a pressão dos pneus. Reduzir uma marcha para controlar o carro em uma subida íngreme. Um volante de carro típico permite que a maioria das pessoas realize essas funções sem tirar as mãos do volante – da mesma forma que um piloto de Fórmula 1.

 

As corridas de automóveis há muito tempo são um campo de testes para a tecnologia que mais tarde aparece nos carros que circulam pelas ruas. Até mesmo algo tão prosaico como o espelho retrovisor teve origem no carro de corridas de Ray Harroun, vencedor da primeira edição das 500 Milhas de Indianápolis, em 1911.

 

Com grandes orçamentos e regras que permitem a experimentação, as equipes de F-1 atraem engenheiros inovadores que dedicam seu tempo ao desenvolvimento do desempenho. De novos materiais à tecnologia de energia, as inovações em um carro de F-1 acabam impactando o futuro do setor de transportes.

 

“A corrida é sempre uma questão de ir além e procurar a solução técnica mais sofisticada”, disse Jochen Hermann, diretor de tecnologia da Mercedes-AMG. “Isso abre sua mente para tecnologias que você não pensaria primeiro em um carro comum.”

 

Incorporar a tecnologia da F-1 em carros comuns não é tão simples quanto passar um novo componente por cima do muro do autódromo e conectá-lo ao Mercedes G-Wagen do próximo ano, um veículo utilitário-esportivo de luxo, ou a um carro esportivo McLaren 750S.

 

Os requisitos de um carro de F-1 são muito diferentes dos carros normalmente vistos em um estacionamento de supermercado, explica o diretor técnico da McLaren, Charles Sanderson. “Basicamente, um carro

 

de Fórmula 1 está tentando fazer um tempo de volta muito rápido e fazer isso apenas algumas vezes”, disse Sanderson. Seus componentes são especializados apenas para a tarefa de ser rápido.

 

Um carro de F-1 não precisa ter espaço para uma bolsa de laptop ou ser robusto o suficiente para sobreviver a estradas esburacadas durante meses, como um carro comum precisa ser. Projetado para operar por muitos anos, um carro comum deve ser adequado para uma variedade de motoristas, jovens ou idosos. “Os requisitos de NVH (ruído, vibração e aspereza, na sigla em inglês, ou, em outras palavras, o quanto algo é barulhento e desconfortável) e de segurança são muito específicos para carros de passeio”, disse Sanderson.

 

Pode ser difícil rastrear a linhagem de um recurso que aparece em um carro comum e que existiu pela primeira vez em uma máquina de F-1. Muitas vezes, a tecnologia é filtrada por outras formas de corrida, como a IndyCar ou a NasCar. Às vezes, o setor aeroespacial testa inovações semelhantes antes de a tecnologia estar disponível para os motoristas que ficam parados no trânsito em uma via expressa. O turbocompressor, por exemplo – dispositivo que aumenta a potência de um motor usando o fluxo de gás de escape –, foi usado pela primeira vez em motores radiais de avião. Atualmente, os turbos são uma configuração de motor comum em muitos carros de consumo modernos, bem como na F-1.

 

Paddle Shifters

 

Antes encontrados apenas nos supercarros mais exóticos, os paddle shifters – as pequenas alavancas existentes atrás do volante que podem ser usadas para mudar as marchas em carros com transmissões automáticas e semiautomáticas ou para ajustar a frenagem regenerativa em vários carros elétricos – agora podem ser encontrados em qualquer carro, desde um novo Nissan Maxima até um Chevy Camaro 2010. O recurso é tão onipresente que talvez você nem perceba que seu carro o tem.

 

“Uma caixa de câmbio semiautomática já havia sido objeto de estudos e testes de pista em 1979”, disse Emanuele Carando, chefe de marketing global da Ferrari, que contou a história de porque os pilotos de corrida se beneficiaram com a mudança de marcha para o volante. Naquela época, os carros de F-1 ainda usavam uma transmissão manual sequencial, semelhante à de uma motocicleta, em que o motorista clicava para cima e para baixo na faixa de marchas em vez de mover uma alavanca em um carro manual. O movimento exigia um tempo precioso e obrigava o piloto a tirar as mãos do volante.

 

Em 1989, Nigel Mansell venceu o Grande Prêmio do Brasil correndo em um F-1-89, um carro equipado com o primeiro câmbio eletro-hidráulico no volante. O mundo automotivo ficou alvoroçado quando o primeiro carro de rua com tecnologia semelhante estreou no Salão do Automóvel de Frankfurt de 1997. Era o F355 F1 Berlinetta da Ferrari.

 

“Seu sistema eletro-hidráulico permitia que os motoristas mantivessem as mãos no volante durante as trocas de marcha, reduzindo o tempo de troca e melhorando a integração com o motor”, disse Carando. A tecnologia apareceu primeiro nos carros de desempenho mais caros e depois nos carros comuns.

 

Fibra de carbono

 

A McLaren sacudiu o cenário das corridas em 1981 quando construiu a cápsula na qual o piloto se sentava de fibra de carbono, em vez de metal, e a usou como estrutura principal de seu carro de corrida MP4/1.

 

A fibra de carbono combina fios de carbono resistentes com resina, que endurece em um material leve, mas forte o suficiente para substituir o aço em muitas aplicações.

 

“A raiz disso (tubo de carbono) remonta à filosofia de leveza”, disse Sanderson, referindo-se a uma ideia comum entre os construtores de carros esportivos de que a melhor maneira de ser rápido e ágil é começar com a menor quantidade de massa. Pense na vantagem de uma gazela, caso ela seja perseguida por um elefante em um labirinto.

 

Após o sucesso do MP4/1 nas pistas de corrida, a McLaren continuou a usar carbono em seus carros de corrida e, por fim, desenvolveu um carro de passeio usando a tecnologia, o apropriadamente chamado McLaren F-1, em 1995. Outros fabricantes de automóveis logo o seguiram.

 

Biocombustíveis

 

Outras inovações já estão no paddock de corrida. Os ganhos obtidos na tecnologia de baterias e no gerenciamento de energia melhorarão os veículos elétricos para os consumidores, e os avanços nos biocombustíveis podem ajudar os carros a se afastarem dos combustíveis fósseis para diminuir a pegada de carbono. (O Estado de S. Paulo/Elana Scherr)