Lula defende ingerência política em investimentos da Petrobras

O Estado de S. Paulo

 

Depois da queda de mais de 10% na sexta-feira, novas declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltaram a derrubar ontem os papéis da Petrobras. Lula criticou a distribuição extraordinária de dividendos da empresa, em entrevista ao SBT. Ele disse não ser possível atender “apenas à choradeira do mercado”, que chamou de “dinossauro voraz”. O presidente afirmou também que a estatal deve “pensar no povo”. “O que não é correto é a Petrobras, que tinha de distribuir R$ 45 bilhões de dividendos, querer distribuir R$ 80 bilhões. É R$ 40 bilhões a mais que poderiam ter sido colocados para investimento, fazer mais pesquisa, mais navio, mais sonda”, disse Lula. “Tivemos uma conversa séria com a direção da Petrobras.” As ações fecharam ontem em queda de 1,92% (ON) e 1,30% (PN).

 

As ações da Petrobras até ensaiaram uma recuperação ao longo do dia, depois do tombo de mais de 10% na sexta-feira passada, mas novas declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltaram a derrubar ontem os papéis. Em entrevista ao SBT, Lula criticou a distribuição extraordinária de dividendos da Petrobras, disse que não é possível atender “apenas à choradeira do mercado” – que é um “dinossauro voraz” – e completou que a estatal deve “pensar no povo”. As falas aumentaram o temor de ingerência política na Petrobras.

 

As declarações de Lula foram divulgadas pouco depois das 16h, quando as ações da Petrobras subiam entre 1% (ordinárias) e 2,3% (preferenciais). No fim, fecharam em queda de 1,92% (ON) e 1,30% (PN), puxando para baixo o Ibovespa. Principal indicador da Bolsa de Valores, o índice registrou queda de 0,75%, aos 126,1 mil pontos, o menor patamar desde 7 de dezembro. A queda dos papéis da Vale também influenciou o índice.

 

“Você vê nitidamente que existe uma certa disputa política que é ruim para a empresa, é ruim para o mercado e acaba afastando os investidores”, afirma o sócio-fundador da Veedha Investimentos, Rodrigo Moliterno. “Essa cautela (do mercado) acaba transbordando para todas as empresas que têm exposição ao governo.”

 

A entrevista ao SBT foi gravada ontem cedo, antes de reunião que Lula manteve, à tarde, com o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, e os ministros Rui Costa (Casa Civil), Fernando Haddad (Fazenda) e Alexandre Silveira (Minas e Energia). A notícia da reunião chegou a animar o mercado, que viu a possibilidade de a estatal voltar atrás na decisão de não fazer a distribuição extraordinária de dividendos (mais informações na pág. B2).

 

“O que não é correto é a Petrobras, que tinha de distribuir R$ 45 bilhões de dividendos, querer distribuir R$ 80 bilhões. É R$ 40 bilhões a mais que poderiam ter sido colocados para investimento, fazer mais pesquisa, mais navio, mais sonda. Não foi feito”, disse Lula. “Tivemos uma conversa séria com a direção da Petrobras.”

 

Ele afirmou que é preciso a empresa “pensar no povo” e que tem compromisso com a redução dos preços dos combustíveis e do gás de cozinha. “Se for atender apenas à choradeira do mercado, não faz nada. O mercado é um dinossauro voraz, quer tudo para ele e nada para o povo”, afirmou.

 

“Será que o mercado não tem pena das pessoas que passam fome? Será que as pessoas não têm pena de 735 milhões de pessoas que não têm o que comer? Será que o mercado não tem pena das pessoas que dormem na sarjeta no centro de São Paulo, no Rio de Janeiro? Será que o mercado não tem pena das meninas com 12 ou 13 anos que às vezes vendem o corpo por causa de comida?”, questionou.

 

O Ministério da Fazenda terá um assento no conselho de administração da Petrobras. A decisão já está certa, tanto que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva determinou que a pasta encaminhe o nome do indicado para passar pelo crivo do colegiado. O governo tem hoje maioria no conselho da estatal (que tem 11 conselheiros), com seis representantes, ante cinco nomes ligados a investidores do setor privado.

 

No governo Bolsonaro, o antigo Ministério da Economia também não contava com uma cadeira no conselho da estatal. Mas o então ministro Paulo Guedes tinha forte influência sobre a empresa.

 

“É importante destacar que hoje (ontem) foi um momento muito oportuno para convidar a Fazenda a integrar o conselho da Petrobras. Ela precisa ter um membro, até para ela trazer a ótica e o olhar dela da fazenda pública, da economia nacional para dentro de uma empresa que, volto a dizer, é uma empresa de que nós temos de nos orgulhar de ser uma empresa nacional; uma empresa de capital aberto que respeita – e nós temos feito isso de maneira extremamente vigorosa e orgulhosa – os interesses dos investidores”, afirmou o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, fazendo referência à reunião no Palácio do Planalto que, além do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, teve a presença dos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Rui Costa (Casa Civil) e do presidente da Petrobras, Jean Paul Prates.

 

Dividendos

 

Partiu do governo a avaliação de que a Petrobras não deveria distribuir dividendos extraordinários – decisão que provocou forte queda das ações da estatal na sexta-feira passada. Segundo pessoas familiarizadas com as discussões, por meio de seus indicados ao conselho de administração, o governo demonstrou preocupação com o limite de endividamento da companhia para fazer frente ao plano de investir US$ 102 bilhões até 2028.

 

A retenção de dividendos, ainda que não possam ser usados para bancar esses investimentos, contribui para a melhora das métricas da companhia, dando segurança ao financiamento do plano de investimentos e às futuras distribuições aos acionistas. Anunciado em novembro do ano passado, o plano representa um acréscimo de 31% em relação aos cinco anos anteriores, o que demandará esforços adicionais da companhia.

 

A avaliação dos conselheiros, porém – tanto os do governo quanto os que representam os acionistas privados –, é de que atualmente a empresa não tem restrição financeira para implementar o plano. Para os privados, isso indicaria que a Petrobras poderia distribuir dividendos no curto prazo e fazer retenções no futuro, caso necessário.

 

O governo, porém, preferiu manter cautela, principalmente quanto à flutuação para baixo no valor do barril do petróleo no mercado internacional. A baixa poderia comprometer a capacidade da companhia em entregar os investimentos prometidos. (O Estado de S. Paulo/Caio Spechoto e Cícero Cotrim)