Como BYD e GWM querem eletrificar os carros brasileiros

Capital Reset

 

Detentor da sexta maior frota automotiva e uma das matrizes energéticas mais limpas do planeta, o Brasil desponta como uma das principais alavancas da estratégia global de atuação da BYD e GWM fora da China.

 

As duas montadoras, especializadas em carros elétricos, têm planos de inaugurar duas fábricas este ano, posicionando o país como hub de fabricação na América Latina.

 

Depois de anos de aprendizado em seu país natal, que tem a maior frota elétrica do mundo, as duas companhias avançam rapidamente nos maiores mercados automotivos do mundo.

 

“Meus concorrentes número 1 são as montadoras chinesas”, afirmou Carlos Tavares, CEO global da Stellantis, numa conversa com jornalistas na semana passada. “Vai ser uma grande briga. Não há outra alternativa para uma empresa global que não seja enfrentá-las diretamente.”

 

No Brasil, onde a Stellantis tem três das dez marcas mais vendidas (Fiat, Jeep e Peugeot), será um dos fronts dessa guerra.

 

A primeira das fábricas chinesas a sair do papel será a da GWM, em Iracemápolis (SP). A planta pertencia à Mercedes-Benz e está sendo adaptada a um custo de R$ 4 bilhões.

 

O início da operação está previsto para julho. A ideia original era inaugurá-la com o lançamento de uma picape híbrida, mas a estratégia inicial foi alterada devido à retomada do imposto de importação sobre os carros elétricos.

 

“Como governo acelerou o cronograma da desoneração, precisamos ter volume de vendas para reduzir as importações”, afirmou Ricardo Bastos, diretor de relações institucionais e Governamentais da GWM Brasil.

 

Para ganhar escala de produção, a montadora avalia duas opções SUVs híbridos (Haval H6 e H4) para iniciar suas atividades de manufatura local. “Ainda não posso revelar se os modelos serão plug-in ou não por causa da concorrência”, disse o executivo.

 

Diferentemente dos híbridos tradicionais, que já são produzidos no Brasil, os modelos plug-in têm baterias que podem ser carregadas na tomada e têm a capacidade de rodar sem o uso de combustível.

 

Pesquisa e desenvolvimento

 

Segundo Bastos, que também é presidente da Associação Brasileira de Veículos Elétricos (ABVE), a empresa direcionou um montante de R$ 10 bilhões para o país, que será executado até 2032. Para além dos investimentos na fábrica, a GWM está discutindo internamente como o restante do orçamento será aplicado.

 

Uma das alternativas é a criação de uma linha de negócio envolvendo a produção de caminhões movidos a hidrogênio e eletricidade. A montadora também se prepara para construir um centro de pesquisa e desenvolvimento. Ainda sem local definido, ele será comandado por Márcio Alfonso, ex-CEO da Caoa Cherry.

 

“O investimento que a GWM está fazendo no Brasil é estratégico até para definir nossa atuação em outros países. Sempre falamos que o gosto automotivo do brasileiro se aproxima do europeu, mas a GWM optou por chegar primeiro aqui”, afirma Bastos.

 

A capacidade máxima de produção da fábrica será 100 mil unidades. A expectativa é que 2 mil empregos diretos sejam gerados quando a unidade atingir plena atividade. Em 2024, serão criados entre 300 até 500 postos de trabalho.

 

BYD

 

Já a “consanguínea” BYD, a maior fabricante de carros elétricos do mundo, está investindo mais de R$ 3 bilhões em um complexo fabril em Camaçari (BA), onde ficava uma fábrica da Ford desativada em 2021.

 

A ideia é replicar o modelo de sua moderna e tecnológica fábrica instalada em Changzhou, na China. A produção visa atender o mercado interno brasileiro e os países vizinhos.

 

Com previsão de início da operação no final de 2024, a linha de montagem está sendo preparada para produzir 150 mil carros por ano na primeira fase, podendo chegar a 300 mil unidades. Devem ser geradas 10 mil vagas de empregos diretos e indiretos, o dobro da previsão inicial.

 

No Brasil, a montadora irá fabricar os modelos elétricos BYD Dolphin e Yuan Plus e o híbrido plug-in Song Plus. Outros modelos também poderão ser fabricados de acordo com o interesse do mercado brasileiro.

 

Em Salvador (BA), a gigante asiática vai construir um centro de P&D. Um dos principais objetivos é o desenvolvimento tecnológico de um motor híbrido-flex para combinar o etanol brasileiro com o motor elétrico da empresa.

 

“O carro híbrido tem características, dada a dimensão continental do Brasil, de um momento de transição com maior acolhimento por parte do consumidor brasileiro”, destaca Alexandre Baldy, conselheiro especial da BYD.

 

Em breve, adiantou Baldy, a BYD vai passar a oferecer seus paineis solares, fabricados em Campinas (SP), nas concessionárias, criando um ecossistema completo (do “sol à roda”) no qual o dono do veículo elétrico poderá gerar energia para abastecer o próprio carro.

 

Governo se move

 

Alguns países se comprometeram com um prazo de validade para o motor de combustão interna. Na maioria dos europeus, a meta é que a partir de 2035 os carros novos sejam de emissão zero.

 

Mesmo com o sucesso de vendas dos modelos que já são importados por BYD e GWM, por aqui a descarbonização da frota deve seguir um curso diferente, pelo menos segundo os planos do governo.

 

“O país já tem uma tecnologia que descarboniza: o etanol”, diz Uallace Moreira, secretário de desenvolvimento industrial do Ministério da Indústria e Comércio. Ele defende que o Brasil não deve adotar uma rota única de descarbonização no transporte.

 

“Além do veículo elétrico, o Brasil pode utilizar híbrido, flex ou híbrido plug-in, tecnologias que podem resultar numa redução de 50% das emissões de CO2”, afirma Moreira.

 

O plano de transição energética do transporte rodoviário foi instituído no apagar das luzes de 2023. Batizado de Mover (Programa de Mobilidade Verde e Inovação), o plano é baseado em incentivos para a fabricação de carros no país e para a redução de emissões de carbono.

 

O Mover inclui R$ 19,3 bilhões em créditos financeiros que deverão ser convertidos até 2028. Dentre as premissas estão o estímulo à construção de novas fábricas no país e aos investimentos em P&D. Isso ocorrerá com uma “premiação tributária” às montadoras que cumprirem metas de descarbonização.

 

Uma das novidades do regime é a criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Industrial e Tecnológico, que será gerido pelo BNDES sob coordenação do MDIC. A outra é que, além de veículos leves, ele incorpora veículos pesados como ônibus e caminhões.

 

Mas, para Uallace Moreira, secretário do MDIC, o mais inovador é a métrica que foi adotada para calcular as emissões de CO2. Na primeira fase, o método tradicional de “do tanque à roda” será substituído pela métrica “do poço ao túmulo”, que fará a aferição das emissões da fonte de energia utilizada desde a produção até a propulsão do veículo.

 

Depois, a partir de 2028, a métrica será estendida do “berço ao túmulo”, no qual a intensidade de CO2 contemplará as emissões geradas até o descarte ou reciclagem do veículo.

 

A conta do CO2

 

Apesar dessa abordagem do ciclo de vida completo dos veículos, o fato é que as emissões carros movidos a bateria durante a rodagem são mais baixas que as dos outros – e a eletricidade do carregamento custa menos que o combustível na bomba.

 

No relatório “Comparação das emissões de gases de efeito estufa no ciclo de vida de carros de passeio a combustão elétricos no Brasil”, a ABVE, autora do relatório, estima que, para os veículos comercializados em 2023, os veículos 100% elétricos têm emissões de 65% a 67% mais baixas que as de um modelo flex equivalente.

 

Já os híbridos tradicionais (cujas baterias não podem ser carregadas na tomada) possuem emissões 14% mais baixas que as dos veículos flex movidos a combustão interna

 

“Ainda que os híbridos operassem exclusivamente com etanol durante toda a vida útil, as emissões no ciclo de vida seriam 85% superiores às dos 100% elétricos que utilizam a matriz elétrica média”, diz o relatório. (Capital Reset/Felipe Salgado)