Petrobras retoma obras para ampliar em 160% produção de Abreu e Lima

O Estado de S. Paulo

 

Uma visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve marcar hoje a retomada de investimentos públicos na Refinaria Abreu e Lima, na região metropolitana do Recife (PE), que esteve no centro do escândalo de corrupção investigado pela Operação Lava Jato. Os detalhes do novo projeto foram anunciados ontem por executivos da Petrobras.

 

As obras de ampliação da unidade terão início no segundo semestre deste ano e deverão ser finalizadas em 2028, quando a refinaria terá capacidade para processar 260 mil barris de petróleo por dia – bem acima dos 100 mil barris processados hoje. Só a produção de diesel S10 (de baixo teor de enxofre) deve ser incrementada em 13 milhões de litros por dia. Ao fim desse processo, Abreu e Lima vai responder por 10% do refino da Petrobras, ante os 6% atuais.

 

Além disso, o projeto prevê a construção da primeira unidade no País que vai transformar óxido de enxofre (SOx) e óxido de nitrogênio (NOx) em um novo produto para comercialização.

 

O investimento está previsto no plano estratégico da Petrobras e faz parte do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal. Especialistas criticam o modelo de negócios da estatal prevendo a retomada de investimentos em refinarias, em detrimento de maiores gastos na exploração da área do pré-sal (mais informações na pág. B2). Além de Lula, a visita deve ter as presenças do presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, e de representantes da Casa Civil e do Ministério de Minas e Energia (MME).

 

O valor dos investimentos não foi divulgado. Segundo a gerente executiva de projetos de desenvolvimento da produção da Petrobras, Mariana Cavassin, o montante total a ser desembolsado no projeto de Abreu e Lima nos próximos cinco anos ainda não pode ser revelado porque as licitações de construção do chamado Trem 2, uma das três etapas do projeto, estão em fase de recebimento de propostas até fevereiro. Depois disso, disse ela, as cifras devem ser reveladas.

 

‘Projeto robusto e viável’

 

“Nós avaliamos o projeto em todos os cenários econômicos que a Petrobras tem na carteira. E avaliamos isoladamente cada uma das etapas e também em conjunto para garantir que o projeto é robusto e viável economicamente, com retorno positivo para a companhia”, disse Mariana, acrescentando que as obras devem ter um pico de atividade em 2025, com a promessa de gerar 30 mil empregos diretos e indiretos.

 

Abreu e Lima foi lançada em 2005, no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Foi pensada como projeto em conjunto com a Venezuela, em pleno governo de Hugo Chávez. A Petrobras seria responsável por 60% dos investimentos e os 40% restantes seriam aportados pela Venezuela, o que nunca aconteceu.

 

Com a desistência do país vizinho, a Petrobras decidiu construir sozinha, inicialmente, apenas um dos dois conjuntos (trem) de refino, a um investimento estimado em cerca de US$ 2,5 bilhões, montante que, com o passar do tempo, subiu para US$ 18,5 bilhões. A unidade começou a operar em 2014 – com um atraso de três anos –, ficando no centro das investigações da Operação Lava Jato por superfaturamento durante as obras de construção.

 

Histórico A construção da refinaria durou de 2005 a 2014, com um atraso de três anos para o início da operação

 

O negócio da Petrobras não é refinaria: é présal, exploração e produção, diz Adriano Pires, sócio-diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE). Por isso, segundo ele, a retomada dos investimentos em refinarias pela estatal, como a anunciada ontem, é um equívoco.

 

“Para o acionista da Petrobras, é uma decisão errada, deveria vender e deixar a iniciativa privada investir ali, mas o governo Lula foi eleito democraticamente e ninguém escondeu nunca que o presidente era contrário à privatização das refinarias”, diz.

 

A seguir, os principais trechos da entrevista:

 

O governo está anunciando investimentos na refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco, e já falou em investir no Comperj, no Rio, dois empreendimentos que se tornaram símbolos de corrupção na Petrobras. Qual a avaliação sobre a retomada desses investimentos?

A Petrobras, no governo Lula, decidiu que vai voltar a investir em refinarias, tanto que já declarou de maneira objetiva que vai rever aquele acordo feito com o Cade, o TCC (Termo de Cessação de Conduta), onde se comprometia a vender 50% da capacidade de refino e basicamente ficar com as refinarias do Rio e São Paulo. O Comperj é uma coisa diferente, nunca foi uma refinaria, e o desafio da Petrobras é acabar a Unidade de Processamento de Gás Natural (UPGN), que vai trazer 20 milhões de metros cúbicos de gás do pré-sal. A Petrobras deveria se apressar a acabar a UPGN, porque está reinjetando muito gás no pré-sal. São duas coisas diferentes: o projeto original do Comperj era uma refinaria, mas nunca saiu do papel, então o Comperj hoje se resume à UPGN, e a Petrobras tem de investir rapidamente ali, porque o mercado precisa daquele gás. Eu acho que o projeto do Comperj como refinaria abortou, não vão fazer. A Rnest (Refinaria Abreu e Lima) saiu do papel, faltam investimentos para completar lá, e, do meu ponto de vista, é um mau negócio.

 

Por quê?

A Petrobras deveria manter o acordo com o Cade e vender esses 50% do refino, porque o grande negócio da Petrobras não é refinaria: é pré-sal, exploração e produção. Quando começaram os leilões de petróleo, em 1999, o Brasil produzia 800 mil barris de petróleo por dia, e só com a Petrobras. Hoje, o Brasil produz 3,1 milhões de barris por dia, é o nono maior produtor do mundo e tende a produzir 5 milhões de barris até 2029/2030. Então, o Brasil, de importador de petróleo, virou exportador. No caso do refino, foi o contrário. Se tivéssemos feito a abertura do refino quando fez da E&P (exploração e produção) provavelmente hoje o Brasil seria exportador de derivados, e não importador. Na minha opinião, é um investimento equivocado, mas na medida em que a Petrobras decidiu que vai retomar investimento em refino, tem de investir mesmo, porque não faz sentido deixar a Rnest sem ter a capacidade plena de produção. É um dinheiro que eu acho que a Petrobras não deveria colocar, mas se decidiu que não vai mais vender, tem de investir. Para o acionista da Petrobras, é uma decisão errada, deveria vender e deixar a iniciativa privada investir ali, mas o governo Lula foi eleito democraticamente e ninguém escondeu nunca que o presidente era contrário à privatização das refinarias.

 

A Petrobras abandonou o plano de concessões de refinarias e até voltou atrás em vendas já feitas. Que sinal isso passa para o mercado?

É um sinal muito ruim, um sinal de instabilidade jurídica e instabilidade regulatória, até porque em vez de vender ela agora vai comprar, já assinou um termo de compromisso com a Acelen, do fundo Mubadala, para entrar no equity da refinaria (Refinaria de Mataripe, BA) e também no equity de um projeto que eles estão desenvolvendo de energia renovável. Ela retomou a Lubnor (CE), só falta agora ela falar da refinaria de Manaus, que ela não falou nada ainda. Isso cria uma instabilidade regulatória, porque lá atrás o Cade decidiu que ela teria de vender 50% do refino, com a tese de que era preciso ter concorrência. (O Estado de S. Paulo/Gabriel Vasconcelos, Denise Luna, Marlla Sabino e Wilton Junior)