O Estado de S. Paulo Online
O governo prepara regras para que as empresas que invistam na produção de carros híbridos e elétricos no Brasil possam usufruir de créditos financeiros que minimizem os efeitos do aumento do imposto de importação anunciado em dezembro. A tributação incomodou empresas com planos de instalar fábricas de elétricos no Brasil, como BYD, GWM e GM, e mobilizou políticos em Brasília contra a iniciativa.
A importação de carros híbridos e elétricos, isenta desde 2015, passou a ser taxada de maneira crescente até 2026, quando chegará à alíquota cheia de 35%. Parte desses recursos será usada neste ano para cobrir os gastos do governo com o programa Mover, de incentivo à indústria automotiva já instalada no País.
O programa custará, neste ano, R$ 3,5 bilhões, dos quais R$ 600 milhões serão bancados com o aumento do imposto de importação sobre veículos híbridos, elétricos e painéis solares. A previsão do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) é que cerca de R$ 500 milhões sejam empregados para compensar as empresas que, embora sejam importadoras e serão taxadas, pretendem investir na abertura de unidades fabris no Brasil.
Políticos da Bahia, onde a BYD vai instalar uma unidade com capacidade de fabricar 150 mil automóveis híbridos e elétricos por ano, começaram a se mobilizar para pressionar o vice-presidente e ministro, Geraldo Alckmin. O movimento é capitaneado pelo governador Jerônimo Rodrigues (PT-BA) e, segundo os envolvidos, planeja mobilizar outros políticos do Nordeste.
Enquanto não começar a entregar os carros elétricos brasileiros, a BYD espera importar veículos para ampliar o conhecimento da marca no País, e a tributação dos importados prejudica a estratégia. O governo até ofereceu uma cota, que livra parte da importação da tributação, mas ela é considerada insuficiente para o tamanho que a BYD espera ter no Brasil.
A regulamentação preparada pelo governo, para que as empresas usufruam do benefício do crédito financeiro, tem que ficar pronta até abril. Para o secretário de Desenvolvimento Industrial e Inovação do MDIC, Uallace Moreira, ela atenderá às empresas à medida que elas concretizarem os investimentos tanto em unidades fabris quanto em pesquisa e tecnologia.
“Temos que ter clareza do investimento que está sendo realizado. Não podemos dizer ‘está investindo, toma aqui o benefício’. E amanhã não investe? Estamos falando de dinheiro público e de responsabilidade com os interesses da sociedade”, disse Moreira.
Segundo ele, o governo Lula defende a política de tributação de importados para internalizar a cadeia produtiva de automóveis híbridos e elétricos, tanto que o assunto foi deliberado no colegiado da Camex (Câmara de Comércio Exterior) que envolve dez ministérios. “Foi uma decisão de governo”, disse.
Para Moreira, as críticas de que há, indiretamente, incentivo para as montadoras de veículos a combustão, uma vez que são elas as que já estão instaladas no Brasil, não se sustenta.
“Estamos estimulando a produção desses carros no Brasil, não desestimulando o carro elétrico”, disse. “Estamos estimulando a fabricação no Brasil de carros elétricos.”
Moreira afirmou ainda que, embora haja o retorno dos subsídios públicos ao setor, o que não ocorria desde 2018, o Mover, que substitui o Rota 2030, tem avanços porque fixa metas em pelo menos cinco itens: eficiência energética, investimento em pesquisa e desenvolvimento, inserção nas cadeias globais de valor, diversificação de mercados e reciclabilidade do automóvel fabricado.
Em caso de descumprimento das metas, há também sanções. Não há exigência de conteúdo local. O governo dará R$ 19,3 bilhões em incentivos às montadoras até 2028, para “descarbonizar” a cadeia produtiva de automóveis no Brasil, com a fabricação de veículos cujo processo e o produto emitam menos gases de efeito estufa.
“Temos uma nova fronteira tecnológica de descarbonização, o mundo inteiro está passando por ela, e o Brasil não pode ficar para trás”, disse. “Temos que trabalhar com o dado concreto. A política industrial voltou no mundo inteiro, o que os países fazem? Crédito subsidiado, incentivos. O que o Brasil está fazendo de diferente que o mundo não faz hoje?”
Para Moreira, o importante é garantir que o benefício público concedido gere resultados, como a geração de crescimento econômico, empregos e renda.
A regulamentação preparada pelo MDIC vai disciplinar ainda dois pontos de destaque do Mover. A medida provisória que criou o programa, publicada em 30 de dezembro, prevê a criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Industrial e Tecnológico, que será gerido pelo BNDES, e terá como objetivo receber os recursos que são obrigatoriamente reservados para pesquisa e desenvolvimento pelas montadoras.
Esses recursos já são recolhidos pelas empresas e, no fim do ano passado, somavam R$ 270 milhões sob gestão do Senai e da Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial). No Rota 2030, programa anterior ao Mover, o percentual variava de 0,3% a 0,6% do faturamento das empresas. O novo valor ainda não foi definido e será regulamentado, mas o texto da MP já prevê um mínimo de 0,5% do faturamento em investimentos em P&D.
“A gente percebia que muitos dos projetos foram importantes, houve avanços, mas chegou a um limite. O governo não participava ativamente no direcionamento desses projetos. Então, vamos centralizar isso em um fundo voltado ao desenvolvimento industrial tecnológico que o MDIC possa direcionar os projetos vinculados ao projeto de neoindustrialização da economia”, disse Moreira.
O direcionamento para o fundo não será mandatório, mas o governo espera que receba a maior parte dos recursos das montadoras. Os recursos poderão ser direcionados a projetos de mobilidade e para estimular a indústria de microchips, por meio do Padis (Programa de Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores).
Na terceira frente, a regulamentação preparada pelo MDIC também vai tratar do chamado “IPI verde”, que vai tributar de maneira diferenciada veículos de acordo com seus índices de eficiência energética e reciclabilidade. Moreira afirma que um carro 1.000 e um carro 1.000 turbo são taxados da mesma forma atualmente, mas são veículos diferentes e poderão ter tratamento diferenciado. (O Estado de S. Paulo Online/Mariana Carneiro)