‘Chegaremos a um pequeno superávit fiscal só em 2030’

O Estado de S. Paulo

 

Diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado, Vilma Pinto afirma que o cenário mais provável para a situação fiscal futura do País é uma redução dos gastos públicos decorrente do fato de o governo não cumprir a meta de zerar o déficit em 2024. Nesse caso, incentivos tributários e criação de cargos que impliquem crescimento de despesas, por exemplo, seriam proibidos em 2025. “O caminho mais provável é que o governo anuncie que não cumpriu a meta e acione os gatilhos para 2025.”

 

Vilma projeta que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terminará seu mandato, em 2026, com o País registrando déficit de 0,4% do PIB. Um resultado fiscal positivo, de 0,1% do PIB, só deve ocorrer em 2030, estima. A seguir, os principais trechos da entrevista, que dá continuidade à série iniciada no domingo sobre os desafios das contas públicas.

 

Como avalia a situação fiscal do País?

Até o ano passado, a gente vinha observando melhora nos indicadores fiscais. Agora, a situação é inversa. No ano passado, o resultado primário do governo foi superavitário pela primeira vez desde 2014. Houve uma mudança na trajetória de crescimento das despesas e também vínhamos tendo melhora gradual nas receitas. No ano passado, teve um superávit influenciado por fatores como choque de commodities que influenciaram as receitas do governo positivamente. Somado a isso, a gente observa, na gestão passada, alguns itens importantes de postergação de gastos. Por exemplo, a PEC dos Precatórios, que afetou positivamente a despesa no curto prazo, mas contratou um déficit fiscal para 2027.

 

Qual o cenário de 2023?

Neste ano, a gente observa uma reversão que tem origem na emenda da transição. Nela, o governo aprovou mais um waver (perdão) para o teto de gastos. O waver deveria ser uma permissão para gasto temporário do governo. Mas foram ampliados gastos que geram impactos para os anos seguintes, como a manutenção do Bolsa Família em R$ 600. Não estou entrando no mérito dessa expansão, mas esse aumento criado de forma temporária para 2023 gera impactos futuros. O novo arcabouço fiscal considera esse aumento e, por isso, as despesas começam já de um nível maior. Esse aumento gera desconfiança em relação à expansão do déficit fiscal e ao aumento da relação dívida/PIB a níveis insustentáveis.

 

Como vê a meta?

Considerando os parâmetros existentes, as medidas que já foram aprovadas (para aumentar a arrecadação) e o novo patamar de gastos primários, o País não chega a esse déficit zero no ano que vem. A projeção é de déficit de 1%, e provavelmente, para frente, o governo também vai encontrar dificuldade. O governo encaminhou um Orçamento que precisava estar condicionado às diretrizes do PLDO (Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias). O que está na PLDO é que a meta de 2024 é zero. Então, ele não poderia encaminhar o Orçamento prevendo uma meta menor do que essa. Aquela peça orçamentária é o reconhecimento do governo de que o cenário não é compatível com isso. O Orçamento tem cerca de R$ 400 bilhões de despesas condicionadas (não obrigatórias). Tem uma série de propostas (para elevar a arrecadação) que dependem de aprovação do Congresso e que somam R$ 168,5 bilhões. O governo conseguirá chegar ao déficit zero se todas as medidas que está anunciando forem aprovadas na forma como estão ali, e se os valores projetados forem realizados nessa mesma magnitude. É um cenário muito incerto.

 

Das medidas anunciadas, quanto acha factível conseguir?

Dos R$ 168,5 bilhões de medidas adicionais, estamos considerando R$ 51,9 bilhões. Boa parte das frustrações está relacionada à questão do Carf (projeto que dá ao governo a palavra final em litígios tributários que estejam empatados no julgamento do conselho de recursos fiscais). Pode ter resistência também para a aprovação (do aumento da tributação) dos fundos fechados nos moldes do que o governo está anunciando.

 

O que pode ser feito para melhorar o quadro fiscal?

Acho que é positivo o governo se comprometer com a sustentabilidade das contas públicas. Não precisava se comprometer com um déficit fiscal zero já no ano que vem sem ter base para isso. Por conta desse imediatismo, todo o ajuste ficou concentrado nas receitas. Mesmo o governo aprovando as medidas que está anunciando, não vai conseguir chegar a esse volume de recursos. O caminho mais provável é que o governo anuncie que não cumpriu a meta, acione os gatilhos para 2025 e tente se comprometer ou adotar medidas que melhorem esse perfil. Nesse caso, haveria um impedimento para o aumento de algumas despesas, como proibição de incentivos tributários e de criação de cargos que resultem em crescimento de despesas.

 

O governo pode terminar com melhora nos números fiscais?

Nosso cenário de médio prazo, até 2032, é de que o resultado chegaria a um superávit. O que acontece é que é um superávit abaixo do necessário para estabilizar a dívida pública. Devemos chegar a um pequeno superávit em 2030 de 0,1% do PIB, sendo que o primário necessário para estabilizar a relação dívida/PIB é de superávit de 1,3% do PIB.

 

Qual a projeção para o resultado primário para o último ano do governo?

Um déficit de 0,4%. (O Estado de S. Paulo/Vilma Pinto)