Governo federal ajudará cidades na renovação das frotas de ônibus

O Estado de S. Paulo/Mobilidade

 

Pela primeira vez, o governo federal assume o compromisso de investir recursos na compra de ônibus para as cidades, especialmente os elétricos. Até o momento, os próprios municípios respondem pelo planejamento e gerenciamento do transporte, o que dificulta a substituição de veículos antigos, já que a renovação das frotas depende das empresas operadoras.

 

De acordo com dados do anuário 2022-2023 da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), pelo quarto ano consecutivo, não houve redução na idade média da frota, também a maior de todos os 28 anos da série histórica: 6,3 anos, aumento de 4,2%, na comparação ao indicador de 2022, para a frota dos nove sistemas analisados*. Juntos, eles possuem mais de 30 mil veículos, reúnem cerca de 32,5% da frota nacional e 34,1% da demanda de passageiros transportados em todo o País.

 

A ideia é melhor

 

Essa intermediação do governo federal é muito bem-vista, e poderá acelerar não só a renovação – a meta cumulativa, até 2027, é atingir em torno de 31,3% da frota – mas incentivar e reforçar a eletrificação desses veículos. “É uma oportunidade para melhorar o serviço como um todo, ampliar a discussão do tema para além de esferas locais, exigindo contrapartidas para os municípios, e também proporcionar a criação e o desenvolvimento de uma política industrial em torno dessa cadeia – da produção de veículos à geração de empregos”, avalia Rafael Calabria, coordenador do Programa de Mobilidade Urbana do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec).

 

A entidade, juntamente com o Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP), o Conselho Internacional de Transporte Limpo (ICCT), o World Resources Institute (WRI) e o Instituto Ar, também propôs a inclusão do aluguel de frota elétrica no Eixo de Desenvolvimento Social e Garantia de Direitos do Plano Plurianual (PPA), no Programa Mobilidade Urbana, número 2.319, que visa melhorar a prestação dos serviços de transporte público coletivo por meio da renovação da frota. O PPA deve ser debatido no Congresso Nacional como um projeto de lei (PL 28/2023), com prazo para ser aprovado até 31 de dezembro.

 

Desafio

 

Sergio Avelleda, coordenador do Núcleo de Mobilidade Urbana do Laboratório Arq. Futuro de Cidades, do Insper, analisa a eletrificação das frotas de ônibus de transportes públicos no Brasil como “necessária e complexa”. “É a mobilização em torno dessa agenda que vai criar escala, baratear e consolidar o ônibus elétrico”, reforça.

 

Embora eficientes e bem mais baratos para operar, esses veículos ainda são muito caros para a aquisição. “Nenhum país conseguiu implantar ônibus elétricos de maneira significativa sem apoio do governo, como aconteceu no Chile e na Colômbia”, observa Avelleda. “Por isso, é preciso uma conjugação de esforços entre o setor público, nos três níveis da federação, e o setor privado.”

 

Contrapartidas

 

Os especialistas são unânimes sobre o papel do governo federal para a ampliação desse sistema, independentemente do modelo financeiro a ser adotado – crédito, incentivo fiscal, aluguel ou com participação direta, com a compra de ônibus – e da exigência de que os municípios tragam contrapartidas. “Isso deve acontecer de maneira articulada com as cidades para que sejam bem aplicados, não representando apenas a troca do modelo a diesel”, destaca Avelleda.

 

A agenda da eletrificação deve servir para aprimorar a qualidade do transporte público. Ao injetar recursos, o governo precisa exigir que municípios melhorem a governança dos sistemas. “Não adianta trocar um ônibus a diesel parado no engarrafamento por um elétrico que, sozinho, não entrega regularidade, pontualidade e qualidade que o usuário necessita”, acrescenta. “Ao receber apoio do governo federal, as cidades devem ter planos para que esses ônibus elétricos rodem em corredores ou faixas exclusivas de ônibus, e outras medidas, como a reforma de pontos de ônibus e terminais, o que exige vontade política de priorizar o transporte público”, analisa.

 

Reação em cadeia

 

Outro ponto é a consolidação de uma indústria nacional. “Temos uma tradição de ser uma plataforma exportadora de ônibus a diesel, e, se nós não acelerarmos a eletrificação das de frotas, perderemos essa plataforma e ainda importaremos ônibus”, alerta o coordenador do Insper.

 

Mesmo não sendo a única tecnologia “limpa”, os elétricos movidos a bateria representam o modelo que mais tem se firmado globalmente, viável sob a perspectiva de escala. “Mais baratos de operar, a medida contribuiria ainda para acelerar a eletrificação dos demais tipos de frota, reduzir custos operacionais e também das tarifas, considerando que o transporte é um direito social que envolve o acesso a outros”, acrescenta Calabria.

 

Avelleda reforça que a adoção de modais mais sustentáveis é necessária não só do ponto de vista da mobilidade mas de prover um ar bem mais limpo nas cidades. “A descarbonização deve acontecer como política pública de várias maneiras: reduzindo as viagens motorizadas, priorizando o uso da bicicleta e da caminhada e das viagens de transporte público de forma sustentável.”

 

* Belo Horizonte-MG (municipal), Curitiba-PR (municipal), Fortaleza-CE (municipal), Goiânia-GO (municipal e intermunicipal metropolitano), Porto Alegre-RS (municipal), Recife-PE (municipal e intermunicipal metropolitano), Rio de Janeiro-RJ (municipal), Salvador-BA (municipal) e São Paulo-SP (municipal).

 

“Não adianta trocar um ônibus a diesel parado no engarrafamento por um elétrico que, sozinho, não entrega regularidade, pontualidade e a qualidade que o usuário necessita. O governo precisa aproveitar a troca para exigir contrapartidas para que todo o sistema melhore”. (O Estado de S. Paulo/Mobilidade/Patrícia Rodrigues)