Indústria precisa de medidas estruturantes, avaliam consultores

AutoIndústria

 

As medidas anunciadas nesta última quinta-feira, 25, pelo governo federal para incentivar o mercado de veículos novos com valores até R$ 120 mil são vistas com cautela e alguma decepção por analistas do mercado automobilístico. A redução de preços da ordem de até 10% a 11% na melhor das hipóteses é bem-vinda, dizem, mas não deve alterar drasticamente o atual quadro do mercado interno de veículos

 

Os consultores ouvidos por AutoIndústria alertam que o governo ainda precisa esclarecer muitos aspectos do pacote e que são fundamentais para uma análise mais precisa dos impactos que ocasionará nas vendas. Como, por exemplo, o tempo de duração dos incentivos.

 

Eles, contudo, concordam que as compras que já estavam quase paradas nos últimos dias, sobretudo por parte dos frotistas e locadoras, devem ser praticamente interrompidas nos próximos 15 dias, prazo estimado pelo governo para a publicação da medida provisória que vai definir os descontos após avaliação da Receita Federal.

 

“Muitos consumidores, e principalmente grandes frotistas, vão aguardar a efetivação dos descontos, o que deve comprometer ainda mais o desempenho de maio, que registrou queda acima de 10% até o dia 24, quando comparado ao mesmo número de dias úteis de abril”, alerta o consultor Marcelo Cavalcante de Lima, que prevê impacto imediato também sobre o mercado de usados seminovos.

 

Mesmo ainda no aguardo de detalhamento das medidas, Paulo Cardamone, CEO da Bright Consulting, arrisca a afirmar que, considerando a média de descontos estimados e a faixa de preços dos produtos que poderão usufruir das reduções, a indústria poderá vender algo entre 200 mil a 250 mil veículos a mais em um ano. “Ou uns 130 mil, caso o programa dure seis meses, até o fim deste ano.”

 

Cardamone calcula que cerca de 160 versões de automóveis – das quase 600 ofertadas hoje no Brasil – poderão ser beneficiadas com algum nível de desconto. Um universo que representa perto da metade das vendas de veículos de passeio e que tem quase 70% equipadas com motor 1.0.

 

O CEO da Bright entende que esse potencial nível de crescimento do mercado e da produção não geraria aumento do quadro de trabalhadores no setor – “Uma preocupação do governo que está por trás de tudo” -, mas poderia evitar mais demissões. Mais: “Me preocupa a questão do conteúdo nacional. Não podemos ter problemas com a OMC, como ocorreu com o Inovar-Auto.”

 

Assim como Cardamone, Ricardo Bacellar, Conselheiro Consultivo para a Indústria da Mobilidade, lamenta sobretudo que não tenham sido ao menos sinalizadas medidas estruturantes que possam viabilizar a retomada mais acentuada do crescimento econômico e o aumento do poder de compra do brasileiro – o grande problema, segundo ele, para um setor no qual os produtos têm ticket médio na casa da centena de milhares de reais. “Se não, teremos mais um voo de galinha.”

 

“Não estou desmerecendo as medidas anunciadas. Mas é muito pouco e os sinais são importantes. É só ver o que está acontecendo no varejo, com empresas que negociam, por exemplo, geladeiras e fogões, produtos de valores muito menores do que os automóveis. O endividamento das famílias segue enorme e a inadimplência não cai. Não será uma redução de 10% ou 11% que fará diferença. É preciso aumentar a empregabilidade, recuperar o poder de compra do brasileiro.”

 

A falta de semicondutores foi um problema sério para a indústria, mas, pondera o consultor, serviu de cortina de fumaça para outro bem maior. “Só entre dezembro de 2019 e meados de 2021 a renda média do brasileiro recuou 11%, exatamente o desconto que será obtido agora, no caso dos modelos mais baratos”, enfatiza Bacellar. “A crise dos semicondutores foi uma muleta. Só agora a indústria parece ter percebido isso.”

 

Ele se diz ansioso para saber o que a indústria colocou na mesa como contrapartida para a redução de impostos e elogia os cerca de R$ 20 bilhões anunciados pelo governo para inovação.

 

“Boa parte desse dinheiro poderia ser destinada a pesquisas de materiais mais baratos e que permitissem baratear o custo de peças e componentes”, defende. “Precisamos, por exemplo, acabar com o paradigma de padronização. Por que um mesmo parafuso não pode ser utilizado em vários carros de marcas diferentes?” (AutoIndústria/George Guimarães)