Incentivo às montadoras, de novo

O Estado de S. Paulo

 

O governo de Lula da Silva anunciou que lançará um pacote de medidas para estimular o setor automotivo e as vendas do chamado “carro popular”. De acordo com o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, a ideia é reduzir o preço de veículos de até R$ 120 mil e viabilizar descontos entre 1,5% e 10,96% ao consumidor final.

 

Ainda não há muitos detalhes sobre como o plano funcionará, mas essa indefinição não impediu o vice-presidente de apresentar publicamente as premissas do programa. A data em que o evento ocorreu, no Dia da Indústria, escancara a primazia que o Executivo dá às montadoras, embora a indústria vá muito além desse segmento. E como não existem coincidências em Brasília, o programa foi anunciado na mesma semana em que o governo conseguiu aprovar o arcabouço fiscal na Câmara dos Deputados. Eis o confuso retrato do governo Lula em seu terceiro mandato.

 

A ausência da clareza que qualquer política pública requer já seria razão suficiente para questionar suas bases, mas já é possível criticar o pouco que se sabe dela. Trata-se de uma reedição de medidas já testadas e reprovadas para impulsionar a indústria automotiva, entre as quais elevar o índice de nacionalização de peças. O motivo pelo qual o País insiste em repetir os mesmos erros do passado permanece uma incógnita, mas não é por falta de aviso ou de estudos a comprovar o fracasso de iniciativas anteriores.

 

Com ou sem desconto, o preço dos veículos evidentemente não tem nada de popular, considerando a renda média da população e os recordes de endividamento e inadimplência registrados nos últimos meses. O limite de R$ 120 mil é amplo o suficiente para livrar o governo da acusação de privilegiar algumas marcas em detrimento de outras. O paradoxo é que o valor escancara que os tais critérios ambientais do pacote não passam de balela. Se fosse para incentivar a produção de veículos menos poluentes, não haveria por que desconsiderar os carros elétricos. Fato é que eles estão fora do alcance do programa, pois partem de valores mais próximos de R$ 150 mil.

 

O plano mostra ainda que engolir sapos nesta semana não foi exclusividade das ministras do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, e dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mal teve tempo de comemorar a aprovação do arcabouço pela Câmara dos Deputados e já teve de digerir um programa que vai de encontro à recuperação de receitas, algo fundamental para assegurar a credibilidade de sua política fiscal.

 

Contrariada, a equipe econômica sinalizou, nos bastidores, que o pacote deve vigorar por poucos meses e que a isenção tributária será de, no máximo, R$ 500 milhões, embora a indústria, por óbvio, trabalhe para aumentá-los. Especialistas calculam que a renúncia chegaria a R$ 8 bilhões se durasse um ano. Por menores que sejam o impacto fiscal e o prazo da medida, trata-se de um tratamento privilegiado a um setor específico, o que mina o princípio da proposta de reforma tributária do Ministério da Fazenda. Não há dúvida de que essa concessão custará caro quando a reforma chegar ao Congresso.

 

Por fim, o programa ignora ainda uma realidade que não está restrita ao mercado brasileiro. O atual portfólio das montadoras expõe a escolha de margens mais altas em detrimento de um maior volume de vendas, o que explica muito sobre os altos índices de ociosidade do setor. No Brasil, em particular, o segmento opera com cerca de 50% de sua capacidade instalada há anos. Pode até ter sido uma estratégia errada das empresas, mas não é papel do governo corrigi-la. Por isso mesmo, chama a atenção que o setor não tenha dado nenhuma garantia de que esses descontos serão integralmente repassados ao consumidor, bem como o fato de não ter assumido qualquer compromisso no sentido de manter e gerar empregos.

 

Diante dos custos políticos e econômicos que a proposta terá ao País, cabe ao governo esclarecer a quem serve um programa que não parece ter nada a ver com a anunciada “neoindustrialização” que ele diz defender. (O Estado de S. Paulo)