O Estado de S. Paulo
O relançamento pelo governo do carro popular veio com um punhado de inconsistências e mais um tanto de dúvidas.
Foi algo muito improvisado. O próprio presidente Lula pediu desculpas por apresentar tudo muito cru e necessitar de preparação pelos Ministérios da Fazenda e da Indústria e do Comércio. Essa preparação, por si só, demanda um prazo de estudos e de avaliações destinados a amarrar o pacote. Enquanto isso, o mercado tende a ficar parado, à espera do preto no branco que vai definir os novos preços e as regras do jogo. Na sua pressa para mostrar serviço, o governo provavelmente não levou esse distúrbio em conta.
Como abrangem os veículos até R$ 120 mil e baseiam-se em redução de impostos – portanto, em renúncia fiscal – os novos incentivos trombam com outro objetivo repetidamente anunciado pelo ministro Fernando Haddad, que é o de acabar com perdões fiscais, isenções e redução de impostos, providência que julga essencial para garantir os R$ 120 bilhões de receita para viabilizar o arcabouço fiscal.
O benefício contempla apenas as montadoras de veículos, xodó histórico do presidente Lula. Deixa de fora outros setores que também enfrentam asfixiante paradeira, como o de máquinas, eletrodomésticos, calçados têxteis e confecções. O consumidor que empatar pelo menos R$ 60 mil de seu orçamento doméstico na aquisição do veículo terá de adiar a compra da geladeira, do micro-ondas ou do tênis para o filho. O sufoco dos outros setores pode ser agravado.
Assim como foi com a redução de impostos dos combustíveis, essa bondade é necessariamente temporária, já apontou Haddad. Mas não se conhece o prazo de validade. Como nenhum outro problema de fundo do setor de veículos está equacionado, parece alto o risco de que, ao fim do prazo a ser estabelecido, a paradeira retorne.
Ninguém explicou se os incentivos são extensivos também aos proprietários de locadoras, setor que hoje cobre 30% das vendas de automóveis e comerciais leves. Destinam-se, também, a favorecer veículos menos poluidores. Mas como medir isso? Será exigida a volta dos carros exclusivamente a etanol ou alcançará também os flex, que podem queimar gasolina?
Toda a indústria de transformação, e não apenas as montadoras de veículos, esperava que o pacote redentor se dedicasse a reduzir o custo Brasil, melhorar a infraestrutura, dar maior acesso a tecnologias de ponta, inserir a indústria nas cadeias globais de valor. Enfim, a melhorar o ambiente geral de negócios e de modernizar o jeito de produzir no País. Nada disso aconteceu.
Nenhuma palavra sobre o que pretende o governo na necessária estratégia de transição energética. Veio apenas esse remendo à moda antiga, ainda a ser costurado. O presidente da Fiesp, Josué Gomes, que tem uma cabeça modernizante, quase não conseguiu disfarçar a decepção. “Todo incentivo é bem-vindo. No entanto, o que precisamos fazer é defender a reforma tributária.” (O Estado de S. Paulo/Celso Ming)