Carro elétrico e Brexit foram duros golpes

O Estado de S. Paulo

 

Um sinal de emergência apareceu nesta semana na combalida indústria automobilística britânica. A Stellantis, empresa por trás de marcas como Peugeot, Fiat e Vauxhall, disse a um comitê parlamentar que as montadoras com fábricas no Reino Unido terão dificuldades para competir nos próximos anos, em meio à mudança para veículos elétricos e aos novos requisitos de exportação pós-Brexit.

 

A empresa deu a entender que pode fechar suas duas fábricas do Reino Unido, onde emprega mais de 5 mil pessoas. “Se o custo de fabricação de veículos elétricos se tornar não competitivo e insustentável, as operações serão encerradas”, disse a empresa em documento publicado esta semana. As palavras ressoaram no país, em parte porque a Stellantis planeja desempenhar papel importante na eletrificação da indústria automobilística.

 

A empresa está reformulando suas fábricas em Ellesmere Port, perto de Liverpool, para produzir pequenas vans elétricas. Usadas para entrega, as vans comerciais Vauxhall são feitas hoje em uma fábrica em Luton, norte de Londres.

 

Os comentários aumentaram as preocupações em uma nação que já construiu carros icônicos como o Jaguar XK-E e o Morris Minor. O número de carros produzidos no Reino Unido caiu drasticamente, para 775 mil no ano passado, de um pico de mais de 1,7 milhão em 2016, ano em que os eleitores aprovaram o referendo para deixar a União Europeia, apelidado de Brexit.

 

Peso

 

A fabricação de veículos continua sendo uma indústria vital no Reino Unido, empregando 182 mil pessoas e respondendo por 10% das exportações de bens, segundo o grupo Society of Motor Manufacturers and Traders. Oito em cada dez carros são exportados, com mais da metade enviados a países da UE, e os exportadores agora devem seguir novas regras comerciais para vender ao bloco.

 

A mudança para veículos elétricos pode ser mais ameaçadora, dizem analistas, porque está forçando as montadoras globais a tomar decisões sobre onde fazer suas apostas para o futuro. “A verdadeira transição é a transição para veículos elétricos”, disse Peter Wells, especialista em automóveis da Cardiff Business School.

 

Até agora, o Reino Unido não conseguiu atrair os investimentos de que precisa para construir fábricas de baterias, que respondem por grande parte do custo dos veículos elétricos. “Se isso permanecer como o ‘status quo’, eu diria que em dez anos o Reino Unido perderá, em grande parte, sua capacidade de fabricação de veículos”, disse Andy Palmer, ex-diretor de operações da Nissan.

 

Queda de braço

 

Palmer disse que o Reino Unido pós-Brexit se encontra preso entre os EUA, que oferecem incentivos fiscais para os fabricantes de baterias, e a União Europeia, que fará de tudo para competir com os EUA.

 

O governo britânico diz perceber a importância da indústria automobilística e está trabalhando para garantir seu futuro. “Estamos muito focados em garantir” que o Reino Unido tenha fabricação de veículos elétricos, disse Jeremy Hunt, chanceler do Tesouro – cargo equivalente ao de ministro da Economia.

 

O que preocupa especificamente a Stellantis e outros fabricantes é um regulamento de importação que se enquadra nas chamadas Regras de Origem e deve entrar em vigor no próximo ano. Segundo a regra, pelo menos 45% do valor dos materiais dos carros exportados para a Europa deve vir do Reino Unido ou da União Europeia, se os fabricantes quiserem evitar uma taxação de 10% – uma penalidade severa no competitivo setor automotivo.

 

A Stellantis diz que não pode atender a esses padrões por conta do aumento dos custos das matérias-primas, entre outras questões. A empresa quer que o governo britânico negocie um adiamento das regras até 2027. (O Estado de S. Paulo)