Medidas se chocam com política fiscal

O Estado de S. Paulo

 

Acaba de ser aprovado um novo arcabouço fiscal, que permite expansão dos gastos públicos em termos reais, ainda que limitada a uma taxa máxima de 2,5%. Esse crescimento de despesas, entretanto, precisa ser financiado, o que ocorrerá via aumento de arrecadação. Como sinalizado pelo governo, há várias possíveis fontes, mas na prática muitas delas são de difícil concretização. Assim, seguiremos bons anos com resultado primário negativo e incremento ainda importante do endividamento público, ainda que em nível abaixo do estimado antes da apresentação do novo regime fiscal.

 

A realidade é que o cenário para as contas públicas brasileiras, mesmo com o arcabouço fiscal reduzindo as chances de cenários mais extremos, é ainda extremamente desafiador. Pelas simulações da Tendências, a dívida pública em relação ao PIB deve atingir 78% neste ano e caminhar até 2031 para 90%, patamar bastante elevado para uma economia emergente, suscetível a choques. A média de endividamento público de emergentes selecionados, comparáveis ao Brasil, fica abaixo de 60%.

 

O fato é que, para tornar o cenário ainda mais complicado, o governo lança mão de descontos de impostos federais para a produção de carros com valor de até R$ 120 mil, com a justificativa de estímulo transitório e anticíclico para a indústria e aponta para novos estímulos de natureza tributária para ajudar a indústria a modernizar seu parque fabril a partir de 2024. Dessa forma, a conta, que já não fechava fácil, vai ser ainda muito mais difícil de ser equacionada. Com políticas como essas e outras sinalizadas, os agentes vão piorar suas projeções para as contas púbicas, o que elevará a percepção de risco, com efeitos adversos para os ativos. Com os juros futuros mais elevados, a consequência será a perda de dinamismo da atividade econômica, com desdobramentos negativos para o emprego.

 

Infelizmente, o País volta a se deparar com políticas que custam caro em relação ao benefício que trazem e que não resolvem as questões estruturais que estão por trás da baixa competitividade da indústria brasileira. O foco na reforma tributária, bem como em outras agendas transversais que contribuam para redução de custos de transação e ganhos de produtividade, é que permitirão crescimento mais sustentável da indústria brasileira e aumento de sua participação no PIB. (O Estado de S. Paulo/Alessandra Ribeiro, economista)