O Estado de S. Paulo
Embora tenha levado ao governo a promessa de investir, no mínimo, R$ 460 bilhões nos próximos anos, a indústria mostra cautela em iniciar novos aportes diante dos efeitos dos juros mais altos sobre o consumo e o custo de capital. Também pesam a ociosidade ainda elevada em alguns setores e as indefinições que vão desde políticas setoriais à reforma tributária.
O setor começou 2023 com a menor intenção de investimento dos últimos seis anos. De cada cinco empresas da grande indústria, apenas uma pretende ampliar a capacidade instalada, segundo levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI). O trabalho reitera, com números agregados, o tom cuidadoso manifestado anteriormente pelos baixos índices de confiança empresariais.
No plano macroeconômico, o novo marco fiscal e a reforma tributária são os principais responsáveis por colocar a indústria em compasso de espera, uma vez que mexem diretamente nas duas variáveis mais sensíveis do setor: juros e impostos. Há, porém, alguns nós específicos. Na indústria automotiva, o tamanho de um novo ciclo de investimento depende do programa, em estudo pelo governo, de resgate do “carro popular”, além da definição das regras e estímulos à introdução de novas tecnologias da segunda fase do Rota 2030, como é conhecido o regime automotivo.
Nas fábricas de eletrodomésticos, os investimentos passam por “criteriosa revisão”, segundo a Eletros, entidade que representa o setor. O motivo é a queda de consumo após o pico de demanda durante o período de isolamento da pandemia, o que levou a um aumento de ociosidade nas linhas para algo entre 35% e 40% a depender do segmento. A indústria química, por sua vez, quer garantias de oferta e preços competitivos do gás natural.
Apesar da melhora no fornecimento de peças, o que sugere menor pressão de custos e a possibilidade de colocar mais produtos no mercado por fabricantes que sofreram com a escassez de componentes nos últimos dois anos, o levantamento da CNI revela que o número de indústrias interessadas em investir caiu pelo terceiro ano consecutivo. O porcentual deste ano, de 68%, é o menor desde 2017, quando 67% tinham intenção de investir no início do ano.
A pesquisa da CNI, realizada com 485 empresas que empregam pelo menos 200 pessoas, mostra ainda um foco do setor na busca por ganhos de produtividade. A maioria dos planos de investimento (38%) tem como principal objetivo melhorar o processo produtivo por meio, principalmente, da substituição de máquinas.
Outros 26% visam apenas à manutenção da capacidade produtiva, mais do que a parcela de empresas que pretendem expandir a capacidade instalada: 19%. Com o crédito mais caro, 69% das empresas pretendem realizar os investimentos somente ou majoritariamente com recursos próprios, num retrato parecido com o do ano passado.
Na avaliação do gerente de análise econômica da CNI, Marcelo Azevedo, a alta dos juros, a redução da demanda, tanto de empresas quanto de consumidores, e a demora na aprovação da reforma tributária são obstáculos aos investimentos neste ano. “Enquanto não sair a reforma, as empresas seguram o passo, já que o sistema tributário atual onera os investimentos, e se concentram em melhorar o processo produtivo para reduzir custos”, comenta o economista.
Vilão
Associação que representa a indústria de aparelhos eletroeletrônicos como celulares, notebooks e televisores, a Abinee preparou levantamento a partir de sondagem com seus associados, entre 26 de abril e 8 de maio, que confirmou os velhos vilões do alto preço da produção no Brasil. O sistema tributário e os encargos trabalhistas foram, de longe, os mais citados.
A carga tributária elevada recebeu 71% das menções, enquanto os encargos trabalhistas elevados e a alta complexidade do modelo de recolhimento de impostos do Brasil foram apontados, respectivamente, por 68% e 61% dos fabricantes de aparelhos eletrônicos. (O Estado de S. Paulo/Eduardo Laguna)