O Estado de S. Paulo
O pacote de medidas que dever ser anunciado na próxima quinta-feira, Dia da Indústria, para ajudar o setor a retomar o crescimento, em especial no segmento automobilístico, com intenção de reduzir os preços dos carros, tem pouca probabilidade de dar certo, na opinião do economista José Roberto Mendonça de Barros. Para ele, talvez o governo esteja pensando como nos primeiros anos do governo Lula, quando havia uma situação fiscal favorável, o endividamento do consumidor era muito menor e a economia crescia. A ideia é colocar no mercado modelos que custem até R$ 60 mil.
“Agora não tem crescimento, não tem orçamento, não tem Tesouro, não tem o sistema financeiro, e não consigo ver como resolver a questão de limitação de renda dos consumidores”, diz. Além disso, ressalta que as montadoras já tomaram a decisão de não perder mais dinheiro e, por isso, migraram a produção para carros mais caros. “Hoje só consegue comprar carro consumidores da classe B para cima”. A seguir, trechos da entrevista.
Como o sr. avalia um pacote de medidas para ressuscitar o carro popular?
Embora não conheça exatamente o que está sendo pensado, sou muito cético em relação a qualquer coisa nessa linha. Falando sobre hipóteses, acho que seria uma regressão, uma volta ao ‘pé de boi do Itamar’. É uma agenda antiga que já não deu certo muitas vezes.
Acredito ser pouco provável que se ponha em pé um programa que faça algum sentido com todos os problemas que temos hoje. Entendo que o setor automotivo está com medo de não atingir neste ano um mercado de 2 milhões de unidades, mas isso não torna mais factível um programa dessa natureza.
O juro alto é um dos responsáveis pelo desempenho fraco das vendas?
Fala-se muito do juro alto, mas não se fala que o mercado encolheu, em boa parte, por uma combinação de falta de capacidade de compra das famílias, associada ao alto grau de endividamento. Muitas pessoas da classe C+, por razões de mercado de trabalho ou da pandemia, tiveram queda na renda nos últimos anos, endividaram-se, e um programa dessa natureza teria pouca eficácia.
A indústria relata paradas para adequação à demanda, ociosidade de 40% e riscos de demissões. São motivos para obter benefícios?
Desde a trombada da covid, isso ocorreu com outros setores e muitos bens, não só com os carros. Por exemplo, com a carne vermelha. Muitas famílias deixaram de comer e buscaram outras proteínas. Outro exemplo é o das viagens. O transporte aéreo ficou muito caro. Hoje as viagens são acessíveis exclusivamente para empresas ou pessoas das classes A e B+. Com o automóvel ocorre o mesmo. Um número incontável de famílias não tem condições nem de passar perto de um carro novo que custe R$ 70 mil, R$ 80 mil, R$ 90 mil. As montadoras já tomaram a decisão de não perder mais dinheiro, e até por isso subiram a escala dos produtos, dando preferência aos mais caros, que dão maior margem positiva, e não vão voltar atrás nessa estratégia. Todas querem vender SUV e picapes, e não carro popular. As empresas também não estão dispostas a fazer um carro ‘pé de boi’ nem vender com prejuízo, exatamente pela experiência passada do carro popular que liquidou a rentabilidade do parque produtivo brasileiro.
Há viabilidade de medidas para facilitar o crédito?
Duvido de que o setor bancário tenha interesse em construir sistemas de crédito mais barato, principalmente depois dos sustos com grandes empresas que foram para a recuperação judicial, como a Americanas. E, se o governo usar o velho instrumento de botar a Caixa, o BNDES e o Banco do Brasil para subsidiar programas de crédito, tenho a impressão de que nem a equipe econômica ficaria satisfeita. Outra medida comentada é mais uma vez sangrar o FGTS, permitindo algum tipo de saque, mas não é suficiente.
E redução de impostos, como IPI e ICMS, ajudaria?
Os Estados já perderam bilhões com a redução do imposto da gasolina e da energia e estão discutindo com o governo eventuais compensações. Duvido de que estejam dispostos a colocar mais um pedaço do ICMS em uma medida como essa. E o IPI dos carros de menor cilindrada já é baixo, na casa dos 5%. E, se aprovada a reforma tributária, o IPI sobe de novo.
O que o sr. acha então que pode ser anunciado?
Levanto a hipótese até de acabar não saindo nada nessa direção (de redução significativa de preços), pois não há condições concretas de se construir um programa deste nesse momento. Não consigo ver como resolver a questão de limitação de renda do comprador. Talvez o governo esteja pensando como nos primeiros anos do PT na Presidência, quando havia situação fiscal favorável, o endividamento do consumidor era muito menor e havia crescimento econômico. Agora não tem crescimento, não tem orçamento, não tem Tesouro, não tem o sistema financeiro nem as empresas, e as famílias estão superendividadas.
Que futuro há para o setor?
Não consigo ver um norte que não tenha algo a ver com o caminho da eletrificação da frota, que no caso é o carro híbrido a etanol. Não resolve, contudo, o problema do mercado de massa pois, neste momento, também é um carro caro. (O Estado de S. Paulo/Cleide Silva)