Petrobras muda regra de preços e cresce o risco de ingerência

O Estado de S. Paulo

 

A direção da Petrobras anunciou a nova estratégia comercial para combustíveis, em que abandona o preço de paridade de importação para gasolina e diesel. O antigo sistema levava em conta a cotação do petróleo no mercado internacional, o câmbio e o custo da importação. A partir de agora, serão observados o custo alternativo do cliente e o valor marginal à própria estatal, o que reduz a transparência e aumenta o risco de ingerência política nas tarifas, alertam especialistas. A alteração é promessa de campanha do presidente Lula. Na avaliação de analistas, as mudanças não alteram radicalmente o cenário de imediato. O teste ocorrerá quando o preço do petróleo subir. A Petrobras anunciou ontem redução do preço da gasolina (R$ 0,40 por litro), do diesel (R$ 0,44) e do gás de cozinha (R$ 0,69).

 

Após meses de espera, a Petrobras anunciou ontem a nova estratégia comercial para combustíveis, promessa de campanha do presidente Lula de “abrasileirar” os preços praticados pela estatal. Num primeiro momento, as mudanças não alteram radicalmente o que vem sendo feito: na avaliação de analistas, o teste acontecerá quando o preço do petróleo subir. Para parte do mercado, porém, a principal novidade da nova política é abandono da transparência e da previsibilidade. Com a estratégia, a Petrobras anunciou a queda do preço de combustíveis, apresentada como sendo já resultado dessa nova visão. Em comunicado ao mercado sem grandes elementos para análise, a estatal disse que abandonou o Preço de Paridade de Importação (PPI) para a gasolina e o diesel, implantado pela Petrobras em 2016, que levava em conta a cotação do petróleo no mercado internacional, o câmbio e o custo da importação. Vai adotar como parâmetro, a partir de agora, o custo alternativo do cliente e o valor marginal à própria estatal. Ou seja, a Petrobras vai olhar mais para dentro do que para fora, o que reduz a transparência dos reajustes nas refinarias da empresa. “Quando fala que vai levar em consideração o custo dela (Petrobras), está dizendo que não vai levar em conta o preço internacional, ou seja, o preço passou a ter parâmetro apenas nacional, e isso é negativo”, diz o analista da Ativa Investimentos Ilan Arbetman. Para ele, não houve nenhum “cavalo de pau”, como um anúncio de subsídio ou represamento de preços, como ocorreu em 2015, o que está fazendo as ações da companhia subirem expressivamente no pregão de ontem na Bolsa de valores. As ações da Petrobras fecharam o pregão com alta: as preferenciais (PETR4) subiram 2,49%; e as ordinárias (PETR3), 2,24% “A gente tem de dar um tempo para ver como será, na prática, quando o preço do (petróleo do tipo) Brent tiver mudanças mais bruscas”, afirma Arbetman. “O teste da nova política vai ser quando o Brent alcançar US$ 100 (o barril).”

 

Combustíveis mais baratos

 

Em Brasília, ao lado do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, anunciou a queda da gasolina em R$ 0,40 por litro; o diesel, em R$ 0,44 por litro, e o GLP, em R$ 0,69 por litro. Segundo dados da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), que leva em conta o PPI, a gasolina estava 15% mais cara no mercado interno desde meados de abril e poderia ter queda de R$ 0,42; o diesel era negociado 9% acima do preço internacional, com margem para redução de R$ 0,28. Já o gás de cozinha, segundo o Centro Brasileiro de Infraestrutura (Cbie), estava 63% mais caro, com janela para uma queda de R$ 1,25. Ao dar adeus ao PPI, o ministro Silveira disse que essa referência “era uma mentira e um crime contra o povo brasileiro, pois impunha uma algema, uma mordaça”. “Quando subir (o preço do petróleo), o nosso preço vai subir, mas não com a volatilidade que ocorreu em 2021 e 2022 , disse o presidente da estatal, referindo-se ao governo Bolsonaro, que manteve o PPI, implantada em 2016, durante o governo Temer.

 

O ex-presidente da Petrobras Roberto Castello Branco disse ao Estadão que a nova política de preços dos combustíveis anunciada pela empresa ontem deverá gerar “prejuízo” e ter impacto negativo na produção de etanol, cujo preço é vinculado ao da gasolina, além de levar a uma redução dos dividendos pagos à União e aos acionistas privados e criar “um ambiente de negócios ruim” no setor.

 

Segundo Castello Branco, a nova política é “vaga”, porque ao mesmo tempo que deixa uma margem para a manutenção da paridade com os preços de importação (PPI), “para se defender das contestações do mercado”, abre espaço para fixar os preços nas refinarias abaixo dos valores praticados no mercado externo, que é o que deve acontecer.

 

“Quando a Petrobras fala que pode fixar os preços de acordo com o ‘custo marginal’, ela está dizendo que pode fazer isso pela paridade internacional. Mas, quando diz que também pode fixá-los com base no ‘custo alternativo do cliente’, está deixando a porta aberta para praticar preços abaixo dos praticados lá fora”, afirma. “Se a Petrobras quiser se comportar conforme a paridade, ela poderá, mas provavelmente não vai fazer isso, dado que existe uma forte oposição política do governo.”

 

De acordo com Castello Branco, a nova política de preços da Petrobras poderá “secar” as importações de combustíveis feitas pela iniciativa privada, levando a empresa a realizar ela mesma a compra no mercado internacional, para evitar o desabastecimento interno, já que o País não é autossuficiente em gasolina e diesel. (O Estado de S. Paulo/Denise Luna)