Participação brasileira no PIB global é mais baixa em 43 anos

O Estado de S. Paulo

 

No final de 2023, a participação do PIB do Brasil na economia global deve ser de 2,3%, a mais baixa desde 1980, quando teve início a série histórica elaborada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), informa Luiz Guilherme Gerbelli. O fraco desempenho da economia brasileira nos últimos anos levou a uma perda de relevância do País no cenário mundial. E a tendência é de queda pelos próximos anos. “O Brasil tem um problema sério de crescimento econômico”, afirma Alberto Ramos, diretor de pesquisa macroeconômica para América Latina do Goldman Sachs. Para ele, há uma longa agenda para o País virar a página do baixo crescimento. Além de qualificar mão de obra, será preciso avançar no ambiente de negócios, no investimento em pesquisa e inovação e abrir a economia ao comércio.

 

O fraco desempenho da economia brasileira nos últimos anos levou a uma perda de relevância do País no cenário mundial. Ao fim deste ano, a participação do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil na economia global deve corresponder a 2,3%, a mais baixa desde 1980, quando teve início a série histórica elaborada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).

 

Num momento em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenta reinserir o País no cenário global com viagens para China, Estados Unidos e Europa, os dados do Fundo revelam um cenário adverso. A perda de participação do PIB brasileiro vem ocorrendo seguidamente – na década de 1980, o Brasil chegou a responder por 4% da economia do mundo – e deve se manter em queda pelos próximos anos.

 

O que ajuda a explicar a perda de relevância do Brasil é o baixo crescimento registrado ao longo de quase 40 anos. O desempenho do PIB brasileiro tem sido inferior ao de outras economias, sobretudo quando se faz a comparação com países emergentes.

 

“O Brasil tem um problema sério de crescimento econômico. Perdeu a década de 80, cresceu bem devagar nos anos 90, teve sorte na primeira década deste século por causa do crescimento da China e pelos preços de commodities, mas os últimos anos voltaram a ser perdidos”, afirma Alberto Ramos, diretor de pesquisa macroeconômica para América Latina do Goldman Sachs.

 

Os dados que tratam da atividade global foram atualizados neste mês pelo FMI. A participação dos países na economia mundial é medida em Paridade do Poder de Compra (PPP, na sigla em inglês), para deixar mais justa a comparação entre as diferentes economias.

 

“Depois do ciclo do crescimento com industrialização dos anos 30 ao final dos anos 70, o Brasil parou de se desenvolver”, acrescenta Márcio Holland, professor da Fundação Getulio Vargas e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. “O ciclo de industrialização brasileira não foi acompanhado por fatores essenciais para uma economia capitalista moderna. Um deles é a educação.”

 

Déficit na formação

 

Ao longo dessas décadas, o Brasil ampliou os anos de escolaridade da população, mas sem garantir uma boa qualidade. “Infelizmente, para padrões internacionais, a qualidade educacional brasileira é extremamente trágica, desde a primeira infância, passando pelo ensino básico e médio”, diz Holland.

 

O País também superou obstáculos importantes na economia, como o processo inflacionário, e avançou na consolidação de instituições importantes, mas a escolha de políticas econômicas equivocadas resultou numa severa crise fiscal e provocou anos de dura recessão – como em 2015 e 2016 –, que foram seguidos por períodos de baixo crescimento do PIB, agravados pelos impactos provocados pela pandemia de covid-19.

 

“Com o Plano Real, o Brasil começou a colher os benefícios da estabilidade de preços, que foi potencializada por medidas como a Lei de Responsabilidade Fiscal, implementação de metas de inflação, a ideia de um Banco Central, na prática, independente, privatizações. Tudo isso resultou num aumento de potencial de crescimento da economia, mas que foi interrompido por políticas econômicas equivocadas”, afirma Alessandra Ribeiro, economista e sócia da consultoria Tendências. “Colocar a economia em ordem está custando 10, 11 anos.”

 

Mais do que colocar a casa em ordem, o Brasil tem uma longa agenda se quiser virar a página do baixo crescimento um dia. Além de investir em capital humano para qualificar a mão de obra, será preciso avançar no ambiente de negócios – com uma reforma tributária, por exemplo –, na qualidade de investimento tanto em capital físico quanto em pesquisa e inovação e abrir a economia brasileira para o comércio internacional.

 

“É uma agenda que começa dentro de casa. A economia brasileira não vai abrir por causa de duas, 15 viagens. Se o País investir em educação, fica mais competitivo, essa inserção na economia acontece naturalmente”, afirma Ramos.

 

Preso na renda média

 

A estagnação das últimas décadas também colocou o Brasil na chamada armadilha da renda média – muitos países conseguem melhorar o PIB per capita da sua população, mas não dão o salto seguinte para entrar no seleto grupo de economias desenvolvidas.

 

Historicamente, a economia brasileira sempre foi comparada com a da Coreia do Sul. Nos anos 1980, os dois países tinham um PIB per capita similar, mas o pesado investimento em educação e a abertura econômica levaram os sul-coreanos a ter uma trajetória bastante diferente. Em 2028, a renda média da Coreia do Sul deve chegar a US$ 70,2 mil, enquanto a do Brasil deve alcançar US$ 21,3 mil, de acordo com o FMI.

 

O atraso do Brasil é tão nítido que economias emergentes superaram a renda média do País nos últimos anos, como já é o caso da Colômbia.

 

“Se não houver um retrocesso em política fiscal, um retrocesso com o Estado voltando a ser um pilar do desenvolvimento e, por outro lado, se o País conseguir avançar na reforma tributária e em acordos comerciais, o Brasil volta a ter um crescimento (maior)”, afirma Alessandra, da Tendências. “Agora, é difícil afirmar que o Brasil vai aumentar a sua participação no PIB global, porque os outros países também estão caminhando.” Neste ano, o FMI estima um crescimento de apenas 0,9% para o Brasil.

 

“Às vezes, você faz a reforma que aumenta a produtividade de alguns setores, mas isso desloca o trabalhador para uma outra ocupação em que ele é pouco produtivo. É preciso criar mais ocupações de qualidade”

 

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), Armando Castelar avalia que a sensação de pobreza entre os brasileiros pode crescer nos próximos anos.

 

Ele observa que o Brasil já tem um Produto Interno Bruto (PIB) per capita menor do que o da China, e corre o risco de ser ultrapassado pela Índia no futuro. Se esse cenário se confirmar, cerca de 40% da população global estará na frente do Brasil, destaca Castelar. “O Brasil vai se tornar um país pobre, em vez de ser um país de renda média, menos porque o Brasil vai empobrecer, mas mais porque o que é (país) médio vai subir.”

 

A seguir os principais trechos da entrevista:

 

Por que o Brasil não cresce?

Na minha leitura, são dois pontos que estão relacionados. O primeiro é que o Brasil investe muito menos do que investiu na média do período entre 1930 e 1980. A infraestrutura é um bom exemplo. No período pré-1980, a expansão da geração de energia elétrica e a ampliação de rodovias foram muito mais rápidas do que nos últimos 40 anos. E a segunda resposta é produtividade. Ela cresceu de forma mais rápida nesse outro período do que nos últimos 40 anos. As coisas são, em parte, relacionadas, porque o crescimento da produtividade muito grande, particularmente entre 1950 e 1980, ocorreu com a realocação do trabalhador. A história clássica é a da pessoa que estava numa economia de subsistência na agricultura e foi trabalhar na indústria, na construção, em setores em que ela era mais produtiva.

 

Essa agenda de investimento e produtividade tem sido endereçada hoje?

É óbvio que se tem conhecimento da prioridade do investimento de infraestrutura, mas ele não acontece. Na verdade, tem sido até mais baixo nos últimos 10 anos do que nos 10 anos anteriores. Em outras áreas, eu acho que a gente teria de evoluir mais. Qual é o problema do Brasil? Tem uma curva muito fantástica que é olhar o que acontece com a escolaridade do brasileiro e o que acontece com a produtividade o trabalhador. A escolaridade do trabalhador brasileiro aumentou bastante, felizmente, mas a produtividade dele cresceu muito menos. É menor do que há 10 anos.

 

Qual é a consequência disso?

Você educou melhor o trabalhador, o que é bom para a vida dele como um todo, mas você o coloca em ocupações em que ele é pouco produtivo. É o oposto do cenário pré-1980. Se o País não dá oportunidade para o trabalhador estar numa ocupação em que ele é mais produtivo, essa educação não vira produtividade.

 

Diante desse cenário de PIB per capita estagnado, quais podem ser as consequências para o Brasil?

Tem muito país passando o Brasil. Se esse processo continuar, o Brasil vai se tornar um país pobre, em vez de ser um país de renda média, menos porque o Brasil vai empobrecer, mas mais porque o que é médio vai subir. A China tinha um PIB per capita que era uma fração do nosso há 20 anos. Hoje em dia, tem um PIB per capita mais alto. A Índia ainda está um pouco longe, mas, no ritmo atual, vai passar a gente também. Com a China e se Índia passar, os dois países representam 40% da população mundial. A percepção de pobreza vai aumentar. Eu acho até que o Brasil continua crescendo vagarosamente, tem potencial de crescer um pouquinho, mas muito pouco. Tem um outro fator que é importante que é o seguinte: nos últimos 40 anos, a gente tinha bônus demográfico.

 

Como isso afeta a economia?

Antes, você tinha uma casa com quatro pessoas morando e duas trabalhando. Depois, passou para uma casa com quatro pessoas morando e três trabalhando. O PIB per capita dessa casa subia porque tinha uma proporção maior de gente na casa trabalhando. Ao longo dos últimos 40 anos, isso ajudou bastante. A população em idade ativa para trabalhar aumentou mais rápido do que a população total. Então, tinha mais gente gerando PIB. Isso acabou. O potencial daqui para frente é mais reduzido.

 

Isso implica mais reforma, abrir a economia para mudar esse cenário?

De alguma forma, você precisa criar as ocupações em que o trabalhador pode ser produtivo. Também tem um problema que é o seguinte: às vezes, você faz a reforma que aumenta a produtividade de alguns setores, mas isso simplesmente desloca o trabalhador para uma outra ocupação em que ele é pouco produtivo. Se for uma coisa que aumenta a produtividade na indústria, mas a pessoa vai trabalhar em serviço informal, a produtividade da economia sobe pouco. É preciso criar liquidamente mais ocupações de qualidade. (O Estado de S. Paulo/Guilherme Gerbelli)