O Estado de S. Paulo
Um convite para Adalberto Maluf assumir a Secretaria Nacional do Meio Ambiente Urbano e Qualidade Ambiental, do Ministério do Meio Ambiente, em março, levou Ricardo Bastos, diretor de relações institucionais e governamentais da GWM Brasil, à presidência da Associação Brasileiro de Veículo Elétrico (ABVE).
Com passagens pela Ford e Toyota, o economista tem 25 anos de experiência no segmento automotivo e expõe uma visão bem otimista do segmento. Em entrevista ao Mobilidade, ele revela como pretende atuar à frente da entidade.
Assumir a presidência da ABVE foi algo inesperado neste momento?
Estou ligado à ABVE há mais de dez anos; portanto, tenho familiaridade com a entidade. O ex-presidente Adalberto Maluf foi convidado para ser secretário de Meio Ambiente Urbano e Qualidade Ambiental, cargo que ele não podia recusar, porque sempre esteve inteirado às questões políticas desse tema.
Como o senhor encara o cenário da eletromobilidade no Brasil?
O momento é excelente, com a perspectiva de saltarmos de 49 mil veículos eletrificados comercializados no ano passado para 70 mil em 2023 e 100 mil em 2024, números que já sinalizam um volume respeitável de vendas. O cenário é instigante pelos desafios, que encaro como oportunidades. Mas, se eles não forem atacados, acabam virando barreiras.
Quais são esses desafios?
A dúvida sobre a autonomia dos automóveis, por exemplo, precisa ser respondida. No início do ano, o Inmetro determinou a redução de, em média, 30% da autonomia dos carros elétricos vendidos no Brasil. A divulgação de um número muito alto pode enganar o consumidor; em contrapartida, um número ruim inibe a compra de quem está interessado em um veículo assim. Deve existir um padrão na informação, e queremos debater com o Inmetro uma releitura completa dos critérios, porque a metodologia está confusa. Usar as medições americanas não faz sentido, porque Brasil e Estados Unidos vivem realidades distintas.
A ABVE quer se envolver, também, na discussão a respeito da implantação de infraestrutura de recarga?
Nossa intenção é essa. O poder público está tentando criar políticas sérias para desenvolver a eletromobilidade, mas instalar carregador não é função dele, e sim das empresas que atuam no setor e que estão mobilizadas para atacar esse problema. O usuário não pode ter dúvida de onde encontrar um ponto de recarga, que, uma vez instalado, deve permanecer no local indefinidamente.
Com o crescimento nas vendas de veículos, a infraestrutura está aquém do que deveria?
A implementação é lenta, mas isso tem a ver com o mercado. A instalação de pontos de recarga é cara, e a rede está condizente com a frota de elétricos nas ruas do Brasil.
Ultimamente, muito tem se falado que o veículo elétrico, durante sua produção, emite mais poluentes, comparado ao carro que usa etanol, principalmente na extração de minérios para a produção da bateria. Como o senhor avalia isso?
Não vou por esse caminho. Ainda não vi nenhum estudo que comprove essa teoria. Não dá para tirar uma fotografia de uma situação e dizer “essa é a realidade”. Todas as tecnologias devem ser melhoradas e utilizadas, sem demonizar nenhuma delas. O Brasil é privilegiado por contar com energia renovável e pode produzir outras alternativas, como hidrogênio verde. Precisamos olhar o processo de produção como um todo, mas não cravar qual é o melhor. O ciclo do etanol tem condições de melhorar e há investimentos de produção de baterias. Veja o caso da WEG, de Jaraguá do Sul (SC), que investiu R$ 100 milhões para desenvolver baterias de ônibus elétricos. É claro que ainda são usados componentes importados; porém, o conteúdo local está aumentando. No segmento de ônibus para transporte público, o caminho já está traçado, e São Paulo vem puxando essa evolução. Para os automóveis, há muito a aprender na produção de baterias.
As parcerias são necessárias para incrementar o setor?
Uma das minhas prioridades é fortalecer as políticas públicas, e penso que, para isso, as parcerias são fundamentais. Quero que a ABVE fique mais próxima de entidades e esferas governamentais envolvidas. Temos de caminhar lado a lado com a Anfavea (Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores), a Fenabrave (associação que reúne as concessionárias) e a AEA (Associação Brasileira de Engenharia Automotiva) para entender suas dificuldades e alinhavar compromissos e gestão de negócios em prol do transporte elétrico limpo e sustentável. É preciso integrar a atuação das fabricantes, da indústria de autopeças e componentes, de infraestrutura e prestadores de serviço. Por fim, pretendo estreitar os vínculos com a academia, a fim de produzir estudos de referência sobre eletromobilidade no Brasil.
O governo está disposto para discutir tais políticas?
Apesar do cenário positivo, o Brasil ainda não promoveu grandes políticas para a eletromobilidade. Em alguns países, o governo subvencionou com € 7 mil a compra do carro elétrico. Aqui, os benefícios limitam-se a ações isoladas, como isenção do rodízio e imposto de importação de 0% a 7%, dependendo da eficiência energética do modelo. Buscamos uma política de produção local, de iniciativas para desenvolver tecnologias para carros eletrificados. Quando isso acontecer, os preços tendem a cair em aproximadamente 20%.
O senhor arrisca um prazo para o Brasil começar a produzir automóveis elétricos?
Difícil prever, mas acho que dois anos é um tempo razoável. Primeiro, com várias peças importadas, mas, depois, com a nacionalização delas. O Brasil pode ser, inclusive, base exportadora para a América Latina. (O Estado de S. Paulo/Mário Déergio Venditti)