Estradão
A procura por ônibus rodoviário está em alta no Brasil. Segundo a Associação Brasileira das Empresas de Transportes Terrestres (Abrati), a alta em 2022 chega a 60%. De acordo com a associação, de janeiro a julho deste ano, as operadoras de ônibus rodoviário transportaram 21.573.884 passageiros. Ou seja, cerca de 9 mil a mais do que no mesmo período de 2021. Porém, agora faltam motoristas.
Conforme a porta-voz da Abrati, Leticia Pineschi, o déficit gira e torno de 30%. Em entrevista ao Estradão, a especialista explica que a situação deve se agravar no fim do ano. Historicamente, nesse período há uma grande alta no número de usuários de ônibus rodoviários.
De acordo com Letícia, as operadoras de ônibus rodoviários disputam profissionais até com outros modais de transporte. Segundo ela, é o caso de transportadoras do setor de agronegócio. Contudo, a especialista afirma que, para dirigir ônibus rodoviários, o motorista precisa ter habilidades específicas. “O profissional precisa saber lidar com pessoas, bem como com diferentes tipos de equipamentos”, aponta.
Setor aposta na capacitação
Para driblar a falta de mão de obra, as empresas estão se organizando para oferecer capacitação. Depois de o fluxo de usuários desse modal de transporte ter caído drasticamente entre 2020 e 2021 por causa da pandemia de Covid-19, as empresas querem recuperar o segmento. Seja como for, o total de pessoas que viajaram de ônibus rodoviário nesse período ficou apenas 2 mil abaixo de 2019, um ano antes da pandemia, que foi considerado positivo para o setor.
“As contratações para esse período ocorrem em novembro e, desde então, percebemos que haveria essa carência”, pontua Leticia Pineschi.
Capacidade de investimento
O Grupo GBS, que reúne as operadoras Viação Garcia, Brasil Sul, Princesa do Ivaí e Londrisul, sofre no momento com a falta de mão de obra. A empresa acredita que conseguirá preencher as vagas no prazo necessário, mas está com dificuldade para contratar o volume necessário de motoristas para atender a demanda do fim do ano.
Esse é um cenário oposto ao que a companhia enfrentou em 2020 e 2021. De acordo com o vice-presidente do Grupo GBS, Estefano Boiko, houve queda de 90% no fluxo de passageiros no auge da pandemia.
Assim, as operadoras do grupo só começaram a se recuperar a partir de março deste ano, quando o movimento passou a superar em 10% o registrado antes da pandemia, em 2021. Desde então, esse índice vem se mantendo. E a projeção agora é superar os resultados de 2019 neste fim de ano. De qualquer maneira, a pandemia não arranhou a saúde financeira do grupo.
“Embora tenha havido queda no faturamento durante a pandemia, fizemos gestão de custos, inovação e investimentos na segurança dos passageiros”, diz Boiko. Assim, afirma ter sido capaz de manter o caixa no azul. Com essa realidade confortável, o Grupo diz estar pronto para novos investimentos. “Portanto, a meta é atualizar a renovar a frota. Bem como, uma quantidade adequada de ônibus para atender à demanda”, antecipa o executivo.
Desde 2019, o grupo GBS já adquiriu 366 novos ônibus. E, somente neste mês de novembro, comprou mais um lote de 49 veículos, com investimento de R$ 73 milhões. De acordo com a empresa, em um intervalo de mais de três anos, investiu R$ 305, 4 milhões na renovação da frota.
Sem arranhões pós-crise
O Grupo JCA, dono das operadoras Cometa, 1001, Catarinense, Rápido Ribeirão e Expresso do Sul, também navega em águas tranquilas. Mas está em vantagem. Isso porque a falta de mão de obra para dirigir os ônibus da frota ainda não chegou à empresa. O diretor operacional e comercial, Leandro Zulião, conta que, na pandemia, as empresas construíram um banco de dados de profissionais interessados em trabalhar nas transportadoras do grupo.
Assim, a pandemia não abalou a saúde financeira do grupo. “Chegamos a ter operações 100% paralisadas em diversas rotas. Mesmo assim, preparamos as empresas da JCA para essa retomada com os investimentos necessários em renovação de frota. Bem como para a ampliação de tecnologias e capacitação de profissionais”, conta Zulião.
Em 2021, o Grupo JCA investiu na renovação da frota com 271 novos ônibus que foram distribuídos para todas as áreas de atuação da empresa, incluindo para o transporte rodoviário. Dessa forma, a companhia reduziu a idade média da frota.
Migração do aéreo
A realidade dos Grupos GBS e JCA é semelhante à da maioria das empresas do setor. De acordo com a porta-voz da Abrati, apenas 1% das operadoras de ônibus rodoviários não conseguiram se recuperar após a pandemia. “Há poucas empresas em processo de recuperação judicial. Mas caminhando para uma melhora. Pela conjuntura atual, muitas terão a possibilidade de se recuperar”, avalia Letícia. Ela se refere à recuperação da demanda reprimida por causa da pandemia.
Para Letícia, outra mudança de impacto é a migração de passageiros do aéreo para o rodoviário neste ano. “Tivemos uma migração do passageiro do avião para o ônibus, especialmente de passageiros que se dispõem a pagar um pouco mais no serviço premium”, diz. Isso porque esse serviço de ônibus conta com leito, cama e cabine individual. Além disso, tem Wi-Fi, manta e travesseiro. “Esse serviço é considerado de luxo e que minimiza o tempo de viagem maior. Muitos passageiros entendem que o pacote compensa financeiramente”, analisa Letícia.
A diferença também reflete a economia do País. O preço de uma passagem de ônibus rodoviário chega a ser 89% menor que a de avião. “Ao analisar trechos de grandes volumes de passageiros, como Belo Horizonte-São Paulo ou Belo Horizonte-Rio de Janeiro, por exemplo”, explica Letícia.
Com a retomada das viagens de turismo e a migração dos passageiros de aviões para os ônibus em determinadas rotas, Letícia acredita que nem mesmo gargalos poderão trazer dificuldades para as empresas do setor. Por exemplo, a inflação do preço de insumos, como combustível e pneus. Assim, a projeção da Abrati é de que haja pelo menos 30% a mais de passageiros utilizando ônibus rodoviários em todo o País. Isso só neste fim de ano em relação a 2019. (Estradão/Aline Feltrin)