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“Já estamos no Brasil há dez anos, mas agora queremos que o consumidor entenda que somos a maior cleantech do mundo. Vamos investir muito no país para crescer e trazer toda a nossa tecnologia de eletrificação para o país”. As palavras são de Stella Li, vice-presidente global da BYD, em uma rápida entrevista ao EXAME IN na manhã desta quarta-feira (16). Foi mais um compromisso de uma agenda já bastante cheia. A equipe da montadora chinesa está em peso no Brasil para o lançamento do híbrido Song Plus DM-i e do elétrico Yuan Plus, ambos realizados nesta quarta-feira. As perspectivas são otimistas: o modelo híbrido, vale lembrar, esgotou um lote de 200 carros ainda na pré-venda. Mais do que reforçar a preocupação de consumidores com uma mobilidade mais sustentável, a BYD quer reforçar, com os carros, a possibilidade de usar a energia limpa das baterias para um objetivo que vai bem além de percorrer estradas e ruas, mas põe os veículos no centro de um passo ainda maior de um estilo de vida completamente permeado pela eletrificação. Uma ideia que está muito mais próxima do futuro do que do presente, mas cujos passos a montadora quer construir desde já.
Da teoria para a prática, significa usar os carros elétricos em um conceito chamado Vehicle to Load, que nada mais é do que usar a bateria do veículo para conectar aparelhos como luzes, laptops, ou até mesmo refrigeradores, garantindo que os veículos se tornem baterias capazes de serem usadas em qualquer lugar. Extrapolando o conceito, a BYD também enxerga a possibilidade de atuar no Vehicle to Grid, um conceito que permitiria usar a energia armazenada na bateria de carros para abastecer a própria rede elétrica em momentos de pico e, assim, economizar energia.
É um conceito que beneficiaria principalmente consumidores que têm maior flexibilidade de escolha do consumo de energia – um grupo que se tornará maior a partir de 2024, com a Portaria 50/22 do Ministério de Minas e Energia, que permitirá a consumidores com carga aos consumidores de alta tensão comprar energia no mercado livre. Ainda assim, falta amparo regulatório para tornar o futuro que a montadora vislumbra, realidade. Isso porque o artigo 555 da resolução 1.000/2021, da Aneel, ainda proíbe que veículos elétricos joguem energia na rede.
Mas isso não desanima a montadora chinesa. Ao contrário. Para a BYD, é a oportunidade perfeita para ganhar espaço no Brasil, pouco a pouco consolidando a presença local. A empresa, que começou sua operação comercial no Brasil em 2021, planeja ter 45 concessionárias abertas até o fim deste ano e, mais do que isso, produzir localmente. Na última semana, assinou um protocolo de intenção com o Governo da Bahia, que prevê o investimento de R$ 3 bilhões para instalar três fábricas no estado, que devem gerar 1.200 empregos direto durante o período de implantação. As unidades, segundo o governo local, vão produzir chassis de ônibus e caminhões elétricos, além de veículos de passeio e de processar lítio e ferro fosfato. A executiva ainda não comenta formalmente os planos, nem confirma a compra da fábrica da Ford no estado, mas se limita a dizer que “no próximo mês, novidades sobre o assunto devem ser apresentadas”.
Caso confirmada a compra e a construção da fábrica, a BYD será uma das poucas – para não dizer a única – empresa que consegue abranger o ciclo completo de energia limpa diante dos consumidores. Por partes: a BYD já fabrica chassis de ônibus elétricos no Brasil desde 2020 e está presente no Brasil há dez anos com a comercialização de painéis solares, ambos feitos a partir de uma fábrica em Campinas. Agora, vem a ponta final, com os veículos de passeio eletrificados.
De olho em conectar todas essas pontas, a empresa também está de olho em investimentos na infraestrutura de carregadores para os carros elétricos no país. A companhia se uniu à Aliança pela Mobilidade Sustentável, iniciativa fundada e liderada pela 99, em julho deste ano, e anunciou testes com o modelo D1 EV, feito sob medida para atender ao mercado de transporte por aplicativo. Também acompanha de perto as mudanças regulatórias. Adalberto Maluf, diretor de novos negócios da BYD Brasil, ressalta os avanços que a chamada 22 da Aneel trouxe para o país. “Permitiu sair de 1.200 pontos de carregamento para 3 mil em um ano. Deu um ‘up’ gigantesco”, afirma.
Etanol
São passos pequenos, é claro. Para acompanhar o avanço deles ao mesmo tempo em que cresce no Brasil, a BYD investe tanto em híbridos quanto em veículos puramente elétricos – como mostra o lançamento desta semana. É um estágio transitório, segundo Li, para suprir a demanda enquanto ainda não há um volume adequado de carregadores em todo o país. E no qual o etanol, principal alternativa à gasolina no Brasil, hoje, está inserido.
“Estamos produzindo e vendendo veículos híbridos, que têm uma ótima aceitação no Brasil, hoje. O etanol tem um papel fundamental nisso, mas ainda produz CO2. É mais limpo do que a gasolina, mas não tanto quanto um carro elétrico. Para nós, o ‘destino final’ ainda está nos carros movidos 100% a eletricidade”, diz a executiva.
Um ponto que vale destacar sobre a companhia, ainda relacionado à tecnologia, tem a ver com a produção de veículos híbridos em um sistema diferente do que se conhece. O modelo, chamado de “dual mode”, que permite usar apenas a capacidade do motor elétrico em partes do trajeto (há uma autonomia de 50 quilômetros para essa fonte de combustível) sem a necessidade de usar combustíveis fósseis em conjunto, como é mais comum de ver hoje no Brasil, especialmente em modelos da Toyota. O resultado, no fim das contas, é bastante superior ao que se vê hoje: um consumo de 26 quilômetros por litro de combustível, dentro desse sistema que permite usar primeiro um, depois o outro combustível.
Bateria reciclada?
Nesse processo, uma das questões mais levantadas recentemente é o descarte das baterias. Uma preocupação para a qual a BYD já tem uma resposta. A empresa chinesa tem uma unidade dedicada a transformar baterias antigas de veículos elétricos em estações de carregamento para energia renovável, usadas em larga escala para diminuir o custo da energia. A iniciativa conta com a parceria das empresas Pandpower e com a startup Itochu, na China, e tem a expectativa de faturar 10 bilhões de ienes em vendas ao longo de cinco anos.
A ideia atravessou o mundo para chegar até aqui. Ainda que de forma mais embrionária. No Brasil, a BYD fez um protótipo em parceria com a CPFL, Unicamp e o CPQD para criar um novo sistema de gerenciamento de baterias, cuja aplicação está principalmente voltada a armazenar energia de sistemas fotovoltaicos. “Nossa aplicação aqui no Brasil é principalmente em sistemas isolados. Temos mais de 5 GW de geradores diesel espalhados em sistemas isolados e que têm potencial de substituição. O custo disso é muito menor, equivalente somente ao custo operacional do gerador a diesel”, diz Maluf.
Combinando o uso mais barato à sustentabilidade, a empresa acredita que será possível fazer uso das baterias para abastecer desde pequenas cidades por algumas horas — substituindo o uso de geradores a diesel — até pequenas soluções off-grid, ou seja, sem conexão com as redes elétricas existentes.
O fornecimento de baterias para celular possibilitou à empresa crescer continuamente ao longo do tempo, tornando-se fornecedora oficial de marcas como Motorola e Nokia e sendo a maior fabricante chinesa de componentes para TI. Em 2003, entretanto, apesar de já estar crescendo, a empresa decidiu entrar no ramo de automóveis, já de olho na eletrificação de veículos. O primeiro modelo da empresa, o F3, foi lançado no mesmo ano e se tornou campeão de vendas.
De lá para cá, a companhia não parou de investir em pesquisa e desenvolvimento nem de crescer. Em 2012, faturou US$ 7,4 bilhões de dólares, cifra que foi crescendo com mais força à medida que os negócios de veículos elétricos ganharam tração, até chegar aos US$ 35 bilhões de faturamento em 2021, com perspectiva de US$ 100 bilhões já no próximo ano.
Do ponto de vista de tecnologia, o crescimento acelerado veio na esteira da descoberta da bateria Blade, a única no mundo que passa por testes de perfuração, segundo a companhia. Feita de fosfato de ferro lítio, a bateria economiza 50% de espaço nos carros e aumenta em 40% a densidade energética oferecida aos veículos. Há rumores de que as baterias sejam até mesmo vendidas para os carros da Tesla, maior empresa do mundo no setor. Não só a montadora fundada por Elon Musk se beneficia dessa tecnologia. Ao longo do tempo, a BYD também firmou joint-ventures com a Daimler e com a Toyota, de olho na produção de veículos elétricos.
Globalmente, a BYD ultrapassou a marca de 3 milhões de veículos vendidos, um número que se acelera cada vez mais. Levou 10 anos para a marca chegar ao primeiro milhão, apenas 12 meses para chegar ao segundo e, por fim, seis meses para chegar ao terceiro. São pontos que reforçam a aposta no futuro e que, agora, a companhia acredita que é possível reforçar no Brasil também.
O que falta para crescer no Brasil
Na trajetória do Brasil se tornar um país relevante para a BYD em termos de vendas no futuro, a companhia vê alguns pontos que podem ser superados. O primeiro tem a ver com uma política pública de mobilidade elétrica. “O Brasil é o único país do G20 que não tem um plano nacional direcionado a isso”, diz Maluf.
Em segundo lugar, estão questões relacionadas à tributação por eficiência energética, que, hoje, correlacionam o peso dos veículos e emissões para definir o pagamento de impostos. Não que seja um assunto completamente alheio ao país. Em abril deste ano, por exemplo, um projeto do senador Irajá (PSD-TO) apresentava a isenção sobre o imposto de importação dos veículos até 31 de dezembro de 2025, de olho em incentivar a compra desses veículos.
Na visão da companhia, o elétrico não deveria ser mais caro do que os demais, no Brasil. Fica mais caro, especialmente em veículos de entrada, por causa da diferença da alíquota de imposto entre um carro flex tradicional e um elétrico. Já nos de luxo, a alíquota é similar — o que ajuda a impulsionar as vendas no país.
A defesa de políticas públicas eficazes vai ao encontro da própria trajetória da companhia na China. Apesar de ser uma empresa totalmente privada, a BYD se beneficiou de planos econômicos chineses para ter escala e crescer ao longo do tempo. Agora, se movimenta para trabalhar junto de tomadores de decisão e pesquisadores para cumprir uma tarefa similar por aqui.
De olho no futuro, a BYD defende políticas públicas atreladas ao veículo elétrico como forma de tornar o parque industrial brasileiro mais relevante no cenário global de busca por mais sustentabilidade. “O mundo tomou a decisão de eletromobilidade. Em uma análise do parque produtivo global, montadoras devem, ao analisar o desempenho de vendas, fechar fábricas menos produtivas e permanecerem com as mais eficientes. Nesse processo, caso as fábricas brasileiras fiquem ‘velhas’ diante desse novo contexto, se tornam fortes candidatas a serem fechadas ou a deixarem de receber investimento”, diz Maluf.
Enquanto esses pontos não saem do papel, a empresa vai pouco a pouco fincando seu espaço por aqui. Hoje, metade do faturamento da empresa no país vem da divisão de energia solar e, a outra metade, da divisão “recém-inaugurada” de veículos elétricos. Ainda assim, o Brasil é um peixe pequeno dentro do universo da montadora: para ter uma noção, em um mês, a BYD vende mais veículos do que todo o Brasil. Mesmo assim, não há motivo para esmorecer. A quarta maior montadora do mundo está de olhos atentos na América Latina como próximo polo de expansão — um plano que está só começando.
“O nosso grande objetivo é contribuir para a mobilidade sustentável e eficiente no Brasil. Nós vemos a clara possibilidade de substituir frotas inteiras de ônibus e de carros por aplicativo por elétricos. Vamos trabalhar nisso, de olho não só em reduzir emissões no Brasil, mas em tornar a vida das pessoas melhor”, diz Li. (Portal Exame/Karina Souza)