Mercado põe no radar aperto nos juros

O Estado de S. Paulo

 

As incertezas em torno da mudança da atual âncora fiscal e as discussões para tirar o Auxílio Brasil do teto de gastos realimentaram no mercado a discussão sobre o risco de uma política monetária mais apertada no próximo governo – com a postergação de cortes ou mesmo novas altas das taxas de juros.

 

A avaliação é de que uma expansão fiscal de até R$ 175 bilhões para garantir o cumprimento de parte das promessas eleitorais do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) poderia ter impacto nos índices de inflação, tornando ainda mais difícil a tarefa do Banco Central de levar o indicador para próximo da meta. Nas projeções do mercado, o aumento de gastos públicos também poderia impedir a estabilização da dívida bruta, mesmo que esse crescimento seja limitado pela inflação nos anos subsequentes.

 

“Se for alguma coisa próxima de R$ 200 bilhões de gasto adicional, você tem um impacto sobre a demanda, que hoje o BC não está considerando nas projeções. E um segundo aspecto depende do tipo de coisa que o governo precisa mostrar para sugerir que essa exceção não vai se repetir nos próximos anos”, diz o ex-diretor do BC Alexandre Schwartsman.

 

Nas contas da XP, uma “licença”

 

de R$ 175 bilhões levaria a um aumento da dívida pública de 76% do PIB, previstos em 2022, para 88,3% em 2030. Em um cenário de manutenção do teto dos gastos, a dívida poderia cair a 74,1% do PIB até o fim da década. Caso o governo inclua uma política de aumento real do salário-mínimo de 2% ao longo dos anos, a dívida avançaria a 97,5% até 2030.

 

“Nosso cenário base prevê espaço para a autoridade monetária reduzir juros em 2023, com base na desinflação global e no ajuste monetário já implementado. No entanto, como sempre ressalvamos em nossos relatórios, ‘se a política fiscal se tornar mais expansionista, comprometendo a trajetória esperada para a ociosidade da economia e para as expectativas de inflação, a taxa Selic poderá ser elevada novamente’”, escreve o economista-chefe da XP, Caio Megale, em relatório.

 

Segundo o economista-chefe da Greenbay Investimentos, Flávio Serrano, a curva de juros futuros já precifica dois novos aumentos da Selic, de 15 a 20 pontos-base, em dezembro e janeiro. O início do ciclo de cortes seria em junho de 2023, com os juros chegando a 13,25% no fim do ano que vem (ante os 13,75% atuais).

 

Ontem, em evento em Nova York, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, disse que há volatilidade no mercado por causa da transição do governo, mas que o Brasil tem de manter os esforços para alcançar a meta de inflação.

 

A expectativa é de que a equipe de transição de Lula apresente hoje o texto final da chamada PEC da Transição, que vai abrir espaço no Orçamento de 2023 para novos gastos fora do teto. Até agora, a negociação com o Congresso só envolveu a chamada “ala política” do novo governo, sem a participação do grupo técnico de economia da transição •

 

O governo eleito negocia a apresentação de uma PEC para tirar até R$ 175 bi do teto.

 

O quarteto de economistas do governo de transição discutirá ainda nesta semana com os negociadores políticos do PT os termos da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição que autoriza a ampliação de despesas para o cumprimento de parte das promessas feitas durante a campanha pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.

 

O diálogo acontece depois de mais de uma semana do anúncio oficial, feito pelo coordenador da transição, o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin, dos nomes dos quatro economistas do grupo de trabalho da economia – André Lara Resende, Guilherme Mello, Nelson Barbosa e Pérsio Arida.

 

Por enquanto, não há uma definição fechada entre os quatro economistas sobre valores de gastos extras, mas o grupo pediu na noite de segunda-feira, em nota, acesso ao texto da PEC.

 

A manifestação pública dos economistas foi uma resposta à expectativa do mercado financeiro de que o valor da licença para gastar em 2023, fora do limite do teto de gastos, poderia ficar menor do que os R$ 175 bilhões estimados até agora. Esse é o valor da “licença” para gastar acertada pelo coordenador da negociação, o senador eleito Wellington Dias (PT-PI), e o relator do Orçamento de 2023, senador Marcelo Castro (MDB-PI).

 

A possibilidade de um valor de R$ 130 bilhões para ampliação de gastos, que circulou na equipe de Lula, foi antecipada na segunda-feira pela agência Bloomberg e confirmada pelo Estadão/broadcast. Um gasto extra de até R$ 130 bilhões entrou nas conversas, embora haja diferentes visões do que é possível fazer.

 

“Incômodo”

 

A nota deixou claro que os economistas ficaram de fora das discussões do texto da PEC, o que foi percebido pelos analistas econômicos como um sinal de “incômodo” do grupo por não ter tido acesso até agora ao teor das discussões. Quando o nome deles foi formalizado para a transição, a expectativa era de que participassem ativamente das discussões em Brasília.

 

Uma das preocupações do grupo é justamente com o impacto da PEC da Transição, que é uma medida de transição como explicita o seu próprio apelido, na definição do novo arcabouço fiscal para substituir o teto de gastos.

 

É que a proposta de retirada do gasto integral do programa Auxílio Brasil (que voltará a ser chamado de Bolsa Família no novo mandato de Lula) aumenta as despesas de forma permanente.

 

Entre os negociadores em Brasília, a avaliação é de que a PEC como está sendo desenhada pode dar conforto à discussão mais estrutural da regra do teto de gastos no ano que vem.

 

Ainda para esses negociadores, a proposta garante previsibilidade com a definição de que, o que vai ficar fora do teto, será o Auxílio Brasil – um gasto estimado em R$ 175 bilhões. Desse valor, seriam usados R$ 157 bilhões para o pagamento do benefício de R$ 600 e R$ 18 bilhões para garantir mais R$ 150 a cada criança de até seis anos.

 

No texto da PEC da Transição, não estaria fixado o valor do gasto do Auxílio Brasil, mas a licença fora do teto só poderia ser usada no programa social. Esse ponto impediria que eventuais sobras de recursos sejam remanejadas para outros gastos em 2023. A expectativa é de que a PEC em negociação com o Congresso seja apresentada ainda hoje.

 

Uma fonte da equipe de transição ponderou que o grupo dos economistas não é a “equipe da PEC”, mas um grupo que vai tratar de uma série de temas econômicos, inclusive tributário.

 

Até agora, a negociação envolvendo a PEC tem sido conduzida pela ‘ala política’ da transição. (O Estado de S. Paulo/Thaís Barcellos e Cícero Cotrim)