Grupo brasileiro de caminhões vai pedir indenização à chinesa Foton

O Estado de S. Paulo

 

Dez anos após iniciar operações no País com importação de caminhões e planos de ter uma fábrica local, a Foton Aumark do Brasil (FAB) se prepara para ir à Justiça contra a marca chinesa por rompimento de contrato. A empresa foi criada pelo economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-presidente do BNDES e ex-diretor do Banco Central e pretende buscar compensação por investimentos feitos e parcelas do lucro futuro que teria na associação com a Foton Beiqi, uma das maiores fabricantes de veículos pesados da China.

 

O processo deve ser encaminhado no início do próximo ano e, em princípio, deve pedir indenização de cerca de R$ 600 milhões. É mais uma briga envolvendo parcerias entre empresas brasileiras e multinacionais por eventual descumprimento de contratos. Casos dessa natureza já envolveram a Caoa e a francesa Renault – e depois a coreana Hyundai –, e o grupo SHC, do empresário brasileiro Sérgio Habib, e a Citroën, hoje pertencente ao grupo Stellantis.

 

A FAB informa que, até agora, importou cerca de 3 mil caminhões e chegou a montar entre 600 e 800 unidades em uma linha produtiva alugada na Agrale (RS). O projeto da fábrica própria, prevista para 2016, não foi para a frente, apesar da compra de parte de uma área em Guaíba (RS).

 

O advogado Flávio Zambom, do escritório Flávio Zambom Advocacia, afirma que, ao longo dos anos, a Foton Beiqi não cumpriu acordos estabelecidos em contrato e passou a atrasar entregas de veículos e peças ou a não entregar os volumes solicitados.

 

“Antes, o prazo era de mais ou menos quatro meses entre o pedido e a chegada dos caminhões e passou para oito meses, gerando problemas para a FAB, para as revendas e para o consumidor”, diz Zambom.

 

Os gastos com homologações de produtos, nacionalização, compra da área e início de terraplenagem foram bancados pela Foton local. Com a crise econômica a partir de 2016, falta de produtos e sem apoio financeiro, o grupo entrou em recuperação judicial no fim de 2018. Na época, tinha dívidas de R$ 120 milhões com bancos privados e fornecedores. A companhia conseguiu pagar R$ 20 milhões até agora.

 

“Informamos a China sobre a RJ, e não houve nenhuma decisão de interromper a cooperação”, informa Mendonça de Barros, hoje presidente do conselho da Foton. Segundo ele, no entanto, os pedidos de caminhões e peças foram praticamente suspensos. “Neste ano, fui surpreendido ao saber, pelos concessionários, que a representante da empresa no País, a Foton Motors Brasil (FMB), passou a importar os veículos e entregar diretamente às revendas, sem a participação da FAB.

 

Segundo Mendonça de Barros, a FMB está usando a rede de revendas criada pela FAB, assim como sua estrutura de financiamento, se aproveitando de um mercado em crescimento. Também mudou o porto de desembarque dos veículos do Rio Grande do Sul para Santa Catarina. “Não nos cabe agora outra saída a não ser buscar compensações estabelecidas na lei brasileira”.

 

Revendedores afirmam que “pedidos estão chegando”

 

Com escritório em São Paulo, a Foton Motors Brasil (FMB) é dirigida pelo chinês naturalizado brasileiro Shaoyi Lu. Procurado, ele disse que só poderá falar no início de dezembro.

 

Paulo Mathias, presidente da Abrafoton, que reúne as revendas Foton, diz que houve acerto entre a Foton Aumark e a FMB para que, enquanto buscam uma solução para a parceria, a importação seria feita de forma direta, “para evitar que a rede sucumbisse sem produtos”.

 

Em março, os concessionários receberam 240 caminhões ainda entregues via FAB. Neste mês e no próximo chegam mais 400 veículos, desta vez importados pela FMB. “Agora os pedidos estão chegando sem problemas de interrupção”, afirma Mathias. Segundo ele, antes eram feitos 230 pedidos de caminhões ao mês, mas chegavam de 30 a 40.

 

A rede tem 24 grupos que administram 30 lojas. Desse total, 19 grupos eram revendedores Ford descredenciados quando a marca parou de produzir caminhões no País, em 2019. (O Estado de S. Paulo/Cleide Silva)